Disfunções da tireoide e síndrome de Down: veja características e tratamentos

As alterações da função da tireoide são comuns ao longo da vida de pessoas com síndrome de Down e, se não forem tratadas, podem comprometer seriamente seu desenvolvimento e qualidade de vida. Por isso, é fundamental conhecer os aspectos mais importantes das análises periódicas, diagnóstico, clínica e tratamento desses distúrbios.

A tireoide é uma glândula localizada na parte da frente do pescoço, responsável pela secreção dos hormônios tiroxina, ou T4 e triodotironina, ou T3. Esses hormônios regulam aspectos importantes do crescimento e do desenvolvimento e função das células e órgãos de nosso corpo por toda a vida, inclusive os neurônios de nosso cérebro.

A secreção desta glândula é controlada por outro hormônio, o tirotropa ou TSH, que vem da glândula hipófise, que fica na base do crânio e cuja função é promover e estimular a função e secreção da tireoide. Este controle toma a forma de uma retroalimentação negativa, ou seja, quando a secreção dos hormônios T3 e T4, da tireoide, diminui, estimula a aumentar a secreção de TSH, para compensar a baixa. Ao mesmo tempo, quando a secreção do T3 e T4 aumenta, a secreção de TSH diminui. Por esta razão, no exame de sangue feito normalmente para avaliar a função da tireoide , um aumento de TSH sugere que a função da tireoide esteja baixa.

Hipotireoidismo

O hipotireoidismo é uma das patologias mais comuns em pessoas com síndrome de Down e, sem dúvida, é o transtorno endocrinológico mais frequente. Estima-se que entre 30% e 40% de pessoas com síndrome de Down tenha hipotireoidismo. Esta incidência chega a uma cifra entre 80% a 90% durante a primeira infância (7,8).

Os sintomas e sinais característicos do hipotireoidismo são bastante conhecidos: cansaço, intolerância ao frio, pele seca, áspera ou fria, sonolência, apatia, torpeza motora, aumento de peso, mudança no tom de voz (fica mais rouca), etc. Mas em nossa experiência no diagnóstico de hipotireoidismo associado à síndrome de Down, a história clínica dirigida e o exame físico têm pouco valor. Isso se dá por duas razões: primeiro, porque as pessoas com síndrome de Down apresentam, por conta da trissomia, sintomas parecidos com os do hipotireoidismo – como aumento de peso, secura da pele ou apatia -, sem apresentar disfunção hormonal. Segundo porque, como a incidência do hipotireoidismo é bastante alta entre pessoas com síndrome de Down, o objetivo é fazer um diagnóstico precoce, antes que os sintomas apareçam, através de análises periódicas dos níveis de T3, T4 e TSH (através de exame de sangue). Com esta análise, é possível detectar o hipotireoidismo ainda em sua fase subclínica, quando ainda não apresenta sintomas, e é possível iniciar o tratamento imediatamente.

Portanto, o diagnóstico de hipotireoidismo em pessoas com síndrome de Down deve ser considerado em duas categorias:

Hipotireoidismo subclínico: estágio inicial da doença, caracterizado pelo aumento dos níveis de TSH com níveis normais de T3 e T4. Por definição, não apresenta sintomas de hipotireoidismo.

Hipotireoidismo clínico: Estágio avançado da doença, caracterizado pelo aumento das taxas de TSH e queda das taxas de T3 e T4. Por definição, apresenta os sintomas e sinais de hipotiroidismo.

Em pessoas com síndrome de Down, que seguem um protocolo específico de saúde para diagnosticar a doença quando ela ainda está em estágio subclínico, são avaliados apenas os índices de TSH.

A prova diagnóstica fundamental do hipotireoidismo em pessoas com síndrome de Down é a avaliação dos níveis de TSH, com determinação condicional ou sistemática de T3 e T4. Na rotina clínica para o diagnóstico de disfunção primária da glândula da tireoide, e de acordo com o que foi explicado acima, se as taxas de TSH estiverem normais, não há possibilidade de hipotireoidismo primário clínico ou subclínico (TSH alta), ou de hipertireoidismo clínico ou subclínico (TSH suprimida). Portanto, se o resultado de TSH for normal, não há necessidade de analisar os níveis de T3 e T4.

Uma das causas mais frequentes de hipotireoidismo é a destruição da glândula da tireoide por um mecanismo de auto-imunidade. Isso quer dizer que o organismo reage e rejeita sua própria glândula como se ela fosse um órgão externo. Isso é feito a partir da produção dos anticorpos antiperoxidasa e antitiroglobulina. Portanto, a presença desses anticorpos no sangue indica a existência de mecanismos de auto-imunidade. Portanto, essa análise também é usada para diagnosticar o hipotiroidismo, seja ele clínico ou subclínico, para poder catalogá-lo como auto-imune. Além disso, a presença dos anticorpos da tireoide indica maior probabilidade de progressão do estágio subclínico para o estágio clínico (quando os sintomas aparecem). Estima-se que 35% dos casos evoluam.

Outra forma de examinar a glândula da tiróide é usando técnicas de imagem, sendo que a mais usada é a ecografia. Mas no caso da síndrome de Down e hipotireoidismo, seja clínico ou subclínico, não é preciso a ecografia. Um exame de tato no próprio pescoço permite avaliar o tamanho da tireoide na maioria dos casos. Mas, no caso de dúvidas, é aconselhável a ecografia.

Protocolo de tratamento

O tratamento preferencial nos casos de hipotireoidismo associados à síndrome de Down é a terapia substitutiva com levotiroxina sódica por via oral. O tratamento deve ser iniciado com a dose mínima, aumentando-a aos poucos em função dos controles analíticos de TSH, T4 e T3, até que se normalizem as taxas de TSH. A dose requerida varia entre 2 e 5 microgramas por quilo, por dia.

A dúvida fundamental no tratamento de hipotireoidismo na síndrome de Down é quando iniciar o tratamento, especialmente nos casos de hipotireoidismo subclínico leve. Diante de um caso de hipotireoidismo clínico, não há qualquer dúvida sobre a necessidade de se iniciar o tratamento substitutivo imediatamente. Mas na maioria dos casos, por conta das análises constantes, o hipotireoidismo subclínico costuma ser detectado em estágio inicial, e há uma controvérsia histórica sobre quando iniciar o tratamento.

As situações em que há consenso sobre indicar tratamento imediato nos casos de hipotiroidismo subclínico são:

Quando a taxa de TSH ultrapassa o dobro do limite máximo da normalidade

Quando as taxas de T3 ou T4 estão abaixo do limite inferior da normalidade: o estado metabólico já corresponde a hipotiroidismo clínico

Quando junto com a alta de TSH é detectada uma alta taxa de anticorpos anti-tiróide positivo. Nessa situação, a probabilidade de evolução para o hipotiroidismo clínico é mais alta do que no caso de anticorpos negativos

Quando o paciente com síndrome de Down vai passar por uma cirurgia cardíaca. Considera-se que, dada a importância dos hormônios da tiróide na fisiologia cardíaca, nesta situação o funcionamento da tiróide deve estar estritamente normal.

Hipertiroidismo

O hipertiroidismo – apesar de ocorrer em escala muito menor do que o hipotiroidismo – também é mais frequente entre pessoas com síndrome de Down do que no resto da população. A causa mais comum é o bócio difuso tóxico, ou doença de Graves-Basedow, como na população em geral.

As análises periódicas dos hormônios da tireoide, no entanto, não servem para um diagnóstico precoce do hipertireoidismo na síndrome de Down, já que, quando ele é causado pela doença de Graves-Basedow, costuma se iniciar de repente, sem ser precedido de um estado subclínico detectável. Mas, ao contrário do hipotiroidismo na síndrome de Down – em que o diagnóstico não se dá por observação de sintomas – os pais e médicos devem estar sempre atentos aos sintomas de hipertireoidismo: perda de peso, excesso de transpiração, insônia, taquicardia, cansaço, irritabilidade etc., já que eles são o principal indício da doença.

Protocolo geral de diagnóstico

Exames iniciais

A prova diagnóstica fundamental do hipertireoidismo na síndrome de Down será a determinação dos níveis de TSH, T3 e T4. A análise desses hormônios no sangue mostrará o padrão característico do hipertireoidismo clínico, TSH suprimido e uma clara alta nos níveis de T3 e T4. Ao contrário do que ocorre no hipotiroidismo associado à síndrome de Down, é muito mais difícil detectar o hipertireoidismo no estágio subclínico.

Exames adicionais ou complementares

Os anticorpos antitiroide, especialmente a imunoglobina estimulante da tiróide (TSI), assim como os anticorpos antiperoxidasa e antiroglobulina, no caso de serem positivos, permitem classificar o hipertiroidismo como auto-imune.

Ao contrário do que é aconselhado nos casos de hipotiroidismo, o exame de gamagrafia da tireoide (com imagem) tem utilidade e pode ser recomendado em caso de hipertiroidismo associado à síndrome de Down. O exame pode ajudar a identificar as causas do hipertiroidismo. A ecografia da tireoide também pode ser usada para identificar o tamanho do bócio.

Protocolo de tratamento

O tratamento inicial do hipertiroidismo em pessoas com síndrome de Down é o mesmo recomendado para a população em geral: antitireoides de síntese (metimazol ou carbimazol) e bloqueadores beta-adrenégicos (propanolol ou atenolol), inicialmente em doses plenas para que elas sejam diminuídas gradualmente em função da melhoria clínica e hormonal. Se a diminuição progressiva da dose do remédio antitireoide permitir que seu uso seja totalmente suspendido, alcançando a remissão clínica, o paciente não precisará de tratamento definitivo.

Mas se o paciente não conseguir acabar com o hipertiroidismo depois de tratamento entre nove meses e dois anos, ou se houver dificuldades para controlá-lo com medicamentos, é hora de pensar em um tratamento definitivo. Diante das duas alternativas terapêuticas: cirurgia e terapia com iodo radioativo, nós, do centro Médico Down sempre optamos pela segunda, levando-se em conta a comodidade do paciente e porque, em geral, os bócios são de tamanho pequeno.

(Fonte: Fundação Iberoamericana Down 21)