Situação no Brasil

As pessoas com síndrome de Down no Brasil têm apresentado avanços impressionantes e rompido muitas barreiras nos últimos anos. Muitos destes avanços se deveram à luta pela educação para todos como um direito humano, o que provocou uma onda inclusiva que vem varrendo o Brasil e, esperamos, acabe com a institucionalização e a segregação, pelo menos das crianças com síndrome de Down, em poucos tempo.

Diversos grupos, ONGs, associações e pessoas físicas têm contribuído para este movimento positivo.

As facilidades da internet têm contribuído enormemente para o acesso e disseminação da informação. O Brasil conta com o maior grupo de discussão na internet sobre síndrome de Down no mundo, com mais de 1.300 participantes. Criado em 2002, tem integrantes de todo país, entre familiares, profissionais, as próprias pessoas com síndrome de Down, e até do exterior – há brasileiros que moram no Japão e nos Estados Unidos. Funciona como psicólogo, conselheiro, confessor, orientador, tira-dúvidas e, principalmente, consultor para a inclusão das pessoas com síndrome de Down em todas as instâncias da sociedade. Tudo pela internet e de graça.

A participação do jogador de futebol Romário na visibilidade que a síndrome de Down ganhou a partir do nascimento de sua filha Ivy, em 2005 também é inegável. Provavelmente o fato de uma pessoa pública como ele ter assumido a filha desde o primeiro momento foi o que desencadeou a onda de sensibilização que levou Joana Mocarzel a ser a primeira atriz com deficiência protagonista de uma novela na TV de maior audiência do Brasil e que inclusive exporta seus folhetins para outros países. A personagem da menina virou até boneca – a Turma da Clarinha, com 7 bonecos com síndrome de Down produzidos em escala industrial e vendidos em lojas populares. Membros do grupo da internet estiveram nos bastidores dando suporte à produção da novela e à fabricação dos bonecos.

A novela contribuiu positivamente em termos de imagem e redução do preconceito, mas a visão que passou é distante da realidade da maioria das pessoas com síndrome de Down. Para essa maioria há rejeição desde a hora da notícia (médicos e profissionais de saúde), há rejeição de pais e familiares desinformados, há rejeição na escola que não se esforça pela educação da criança que aprende diferente, há rejeição no mercado de trabalho etc. A maioria das crianças com deficiência está abaixo da linha de pobreza, portanto mais dependente das políticas públicas do que as “Clarinhas” da vida. Para elas, como para grande parte da população, faltam, logo no começo da vida, os valiosos recursos da estimulação precoce e da fonoterapia, o que faz com que já comecem a vida em desvantagem. Por isso é importante reforçarmos as redes de informação e nos unirmos para garantirmos atendimento de qualidade nas redes públicas de saúde e educação.

Na área da saúde, continua sendo constatado o despreparo dos profissionais para darem a notícia do nascimento de uma criança com síndrome de Down à família de maneira adequada. Do mesmo modo, poucos são os médicos que sabem que exames são necessários ao nascer e não é raro a criança sair do hospital sem ter sido diagnosticada a síndrome, quer seja por desinformação dos profissionais, ou pelo fato de eles preferirem se abster de serem portadores de “más” notícias. Esta negligência já custou a vida de crianças que não tiveram encaminhamento para, por exemplo, tratar problemas cardíacos, comuns em pessoas com síndrome de Down.

Por outro lado, as cirurgias cardíacas a que crianças com síndrome de Down têm se submetido vêm sendo realizadas cada vez em maior número e sendo cada vez mais bem sucedidas. Os hospitais da rede pública e privada têm mostrado capacidade para atender esta demanda, embora não em todos os estados – o que elevou sobremaneira a expectativa de vida da população com síndrome de Down nos últimos anos. É comum bebês pequenos passarem por cirurgias, se recuperarem e logo em seguida começarem a ganhar peso e se desenvolver satisfatoriamente. Na garantia do direito destas crianças à prioridade de tratamento, o Ministério Público, órgão defensor dos direitos das pessoas com deficiência, tem sido parceiro fundamental, agilizando o acesso ao tratamento, quando necessário.

Seguindo os preceitos constitucionais de que toda criança tem direito inalienável à educação, a tônica da política na área da educação pública no Brasil nos últimos anos tem sido a inclusão dos estudantes com síndrome de Down e outros tipos de deficiência na rede regular de ensino, com um crescimento significativo do número de matrículas nos últimos anos. Nem sempre esta inclusão se dá de maneira satisfatória, geralmente faltam recursos humanos e pedagógicos para atender às necessidades educacionais especiais dos alunos. Mas nota-se que esta prática é generalizada e não ocorre por discriminação. A escola pública brasileira tem que melhorar muito, e acreditamos que a prática inclusiva pode contribuir para alcançarmos uma escola de qualidade para todos.

Algumas escolas particulares continuam dizendo que não estão preparadas para receber estudantes com deficiência (e que não querem começar a se preparar). É comum pais pagarem auxiliares para acompanharem os seus filhos nas aulas, o que não está correto e deve ser denunciado, assim como constitui crime a negação de matrícula.

Se a escola primária está apenas engatinhando, o ensino médio e o superior constituem um grande desafio. Ao mesmo tempo em que os alunos com síndrome de Down vão finalmente encontrando espaços para progredir e avançar na sua educação, as escolas e universidades vão tendo que se adequar a esta nova situação. Existem hoje no Brasil pelo menos 8 jovens com síndrome de Down na universidade em cursos não adaptados. No ensino médio é notório que cada vez mais jovens atingem esta etapa educacional, com ou sem adaptações curriculares.

O quadro geral da educação é muito irregular, tanto em escolas públicas quanto na rede privada. Enquanto alguns municípios e escolas estão muito adiantados nos seus projetos de inclusão, há outros que parecem ainda estar no século XIX . Na média, estamos mais para trás do que para frente, mas não podemos deixar de reconhecer que estamos no caminho certo e que o Ministério da Educação tem feito esforços para disseminar as práticas de uma escola inclusiva.

No mundo do trabalho, o Brasil dispõe de legislação que garante cotas de postos de trabalho para pessoas com deficiência. Infelizmente, historicamente as pessoas com deficiência, e em especial as que têm alguma deficiência intelectual, não tiveram acesso à educação e capacitação profissional e muitos trabalhadores não dispõe da qualificação necessária para ocupar estes postos. Já surgem, contudo, empresas que, buscando preencher esta lacuna, contratam o empregado, responsabilizando-se por sua qualificação. Outra lei vigente que beneficia os trabalhadores com síndrome de Down é a Lei Escola de Fábrica, que retira o limite de idade para aprendizes com deficiência e estabelece a avaliação por habilidades para aprendizes com deficiência intelectual.

Em novembro de 2011, a presidente Dilma Rousseff lançou o plano Viver Sem limites, para pessoas com deficiências. O plano coordenado pela Secretaria de Direitos Humanos engloba uma série de ministérios e prevê investimentos de até R$ 7,6 bilhões em ações de atenção à educação, atenção à saúde, acessibilidade e inclusão social até 2014. O plano ainda prevê a inserção de 378 mil pessoas de até 18 anos nas escolas até 2014, além de adaptar 42 mil escolas. O Ministério da Saúde também está organizando um Grupo de Trabalho sobre síndrome de Down. No dia 21 de março, o governo ainda abriu à consulta pública um manual de saúde para pessoas com síndrome de Down. A ideia é que todos possam colaborar.

Nossa expectativa é que os progressos alcançados pelas pessoas com síndrome de Down se multipliquem e que, cada vez mais, elas sejam reconhecidas e respeitadas enquanto cidadãos que podem contribuir para o desenvolvimento de nosso país.