Pablo Pineda tornou-se uma celebridade na Espanha. Não só por ser a primeira pessoa com síndrome de Down a obter um diploma universitário na Europa, mas também por atuar como protagonista do filme “Yo, También”, de 2009, que narra a história de um agente social que se apaixona por uma colega de trabalho.
Aos 37 anos, Pineda tem licenciatura em Pedagogia e falta pouco para concluir a segunda graduação, também em um curso de magistério. Seu próximo projeto agora? Conseguir uma carteira de motorista.
“Quero tirar o documento porque nunca uma pessoa com síndrome de Down foi vista dirigindo. Seria uma conquista muito importante para nós, além de me dar independência”, disse Pineda à BBC Mundo, o serviço da BBC em espanhol.
O ator é um dos rostos mais conhecidos de uma geração de jovens com síndrome de Down que vem rompendo limitações pessoais, profissionais e acadêmicas.
Outro exemplo famoso é o de Karen Gaffney, também formada em pedagogia, que quer se transformar na primeira pessoa com síndrome de Down a cruzar a nado os mais de 14 quilômetros do lago Tahoe, nos Estados Unidos.
Além de Pineda e Gaffney, a japonesa Aya Iwamoto, também com a síndrome, ganhou fama ao conquistar um diploma inédito em literatura inglesa.
Segundo Pineda, não existem pessoas não-capacitadas, mas sim pessoas com “capacidades distintas”. Para ele, a sociedade deve evoluir a um estágio de maior pluralidade, em que as pessoas com síndrome de Down não sejam tratadas como crianças e possam desenvolver suas capacidades e independência desde cedo.
BBC Mundo: Como você se sente sendo a primeira pessoa com síndrome de Down a concluir um curso universitário na Europa?
Pablo Pineda: Acho que estou na linha de frente de uma guerra, o que é inconveniente. É preciso lutar, se meter na sociedade quando o mundo do Down normalmente segue outro caminho. Agora, fui inserido no grupo das pessoas consideradas “normais”, enquanto os demais têm suas próprias associações, seus pais, seu pequeno mundo. Não é que eu me sinta ilhado, mas é muito difícil lutar em uma sociedade normatizada – ter uma identidade Down quando o mundo Down funciona de forma paralela.
BBC: Em que sentido essa divisão é percebida?
Pineda: Por exemplo, se for a um bar beber um drink. Agora, a reação não é tão frequente, mas antes as pessoas me perguntavam: “Você vai sozinho?”. Ou algumas pessoas na rua me pegam pelo braço e me ajudam a atravessar a rua. Ou quando é época de eleições e vou votar, me perguntam “Mas você pode votar?”. Acontece também de ir a um restaurante com meus pais e me servirem água em vez de vinho. Em outra ocasião, fui à praia e um grupo de guardas civis veio me perguntar se eu estava bem. “Sim, perfeitamente.” São histórias curiosas, mas, como você pode notar, são nessas pequenas atitudes que as pessoas demonstram seus preconceitos.
BBC: Como você conseguiu se formar na universidade?
Pineda: Devo tudo aos meus pais, que foram fundamentais para o meu sucesso, pois há anos eles decidiram que eu seria como o resto dos meus irmãos. Foi assim que tudo começou. Frequentei as mesmas escolas (que meus irmãos), e eles não esperavam que eu chegasse à universidade, mas fizeram de tudo para que eu estivesse sempre em contato com as pessoas. Eu não me dava conta no princípio. Quem lutou por mim foi minha mãe, que foi ao colégio, falou com o diretor. Para eu entrar no instituto, os professores tiveram que fazer uma votação, na qual acabei vencendo. No começo, foi difícil ir à aula dos professores que votaram “não”, mas acabei, pouco a pouco, conquistando todos eles.
BBC: Como era sua metodologia de estudo?
Pineda: Minha resposta vai surpreendê-la. Eu sempre estudo em voz alta, pois aprendo com mais facilidade. Eu leio, falo comigo mesmo e com as pessoas ao meu redor e, assim, entendo. Dou ênfase, faço gráficos, resumos. Não é um sistema só de memória, já que um assunto não é fácil de ser memorizado se não é entendido. Eu o compreendia, o explicava e o “mastigava” bem.
BBC: Mas quando falei com a Associação Britânica de Síndrome de Down, me disseram que seu caso é pouco comum e ainda é a exceção…
Pineda: Fico bastante chateado que eles tenham dito isso, porque passam uma mensagem de acomodação, como se não fosse possível avançar mais, como se não fosse possível ajudar essas pessoas. Eu não acredito que isso seja verdade. Sempre digo aos pais que não vejam apenas que obtive um diploma universitário ou fiz um filme. Isso não é importante. O importante é dizer a seus filhos que eles podem e que os pais precisam ensiná-los e estimulá-los. A partir disso, qualquer um pode fazer o que quiser.
BBC: Que conselho você daria aos pais?
Pineda: Não sou eu quem deveria dar conselhos, porque neste mundo, e no mundo da síndrome de Down, cada caso é um caso. O que eu diria, em primeiro lugar, é para cada um confiar nas suas possibilidades. A partir daí, deve-se estimular ao máximo que as crianças com síndrome de Down tentem superar seus limites.
BBC: Na sua opinião, qual capacidades as pessoas com síndrome de Down deveriam aproveitar melhor?
Pineda: Através da fundação Adecco (que ajuda pessoas com deficiências a encontrar empregos), tratamos de fazer com que os empresários mudem seu “chip” e essas ideias pré-concebidas. Queremos que as pessoas vejam a “deficiência” como uma oportunidade. Eu sempre digo a empresários que pessoas com “deficiência” podem fazer muitas coisas. Temos muito talento quando isso é explorado. Podemos melhorar as empresas com nossa pontualidade, nosso comprometimento. É preciso aproveitar esse talento, não jogá-lo no lixo.
BBC: E sobre o sistema de educação? O que é preciso mudar?
Pineda: Se fosse para falar sobre isso, eu me estenderia de forma brutal. Esse sistema precisa ser mudado completamente. É necessário que seja um sistema mais rico, mais plural, diverso, uma sociedade com valores melhores, e não encarado como um problema ou defeito. Há tantas coisas a serem mudadas. Mas, em vez disso, preferem nos sustentar, nos mantendo em associações para não haver mudança.
BBC: Você conseguiu se tornar independente? Quais são seus projetos?
Pineda: Vivo com minha mãe. Meu pai morreu recentemente e estamos os dois sozinhos. A verdade é que viver com os pais tem muitas vantagens. A comodidade de casa, a ausência de responsabilidades, tudo isso faz viver com mais conforto, apesar de, às vezes, nós nos cobrarmos quando é que vamos nos tornar independentes. No entanto, o preço de uma moradia é uma limitação. A crise econômica não ajuda e os planos vão por água abaixo. Sou o único que ficou em casa, pois todos meus irmãos se casaram, têm filhos e, quando eu me tornar independente, minha mãe vai ficar muito sozinha. Nós dois vivemos juntos e nos admiramos muito.
Fonte: BBC Brasil