Ao descobrir-se pai de uma menina com síndrome de Down, o neurocientista brasileiro Alberto Costa decidiu dar uma guinada na carreira. Diante de pouquíssimas pesquisas na área, lançou-se em uma empreitada em busca de qualidade de vida para Tyche, que hoje tem 17 anos, e todas as pessoas com a síndrome. O esforço trouxe conclusões promissoras: em julho, o grupo de pesquisadores liderado por ele na Escola de Medicina do Colorado, nos Estados Unidos, publicou o primeiro estudo a demonstrar um resultado positivo na tentativa de melhorar as habilidades cognitivas de pessoas com a síndrome através do uso de medicamentos.
A pesquisa testou a droga memantina, utilizada no tratamento de pacientes com a doença de Alzheimer, que tem semelhanças genéticas com a síndrome de Down. Após usar o medicamento em ratos com a trissomia, a equipe de pesquisadores fez testes clínicos durante 16 semanas em 38 adultos com síndrome de Down.
O objetivo era investigar se a memantina poderia produzir melhoras no desempenho de tarefas dependentes da parte do cérebro conhecida como hipocampo, responsável, entre outros, pela aquisição de memórias. “Foi o primeiro estudo a demonstrar uma melhora estatisticamente significante no desempenho de testes neuropsicológicos específicos”, explica Costa.
Os participantes da pesquisa foram divididos em dois grupos. O grupo que tomou a memantina mostrou uma melhora de 30% em relação ao grupo que tomou o placebo nos testes que mediram a memória episódica verbal por meio da memorização de uma longa lista de palavras. “O meu objetivo final é o de investigar se esse desempenho pode se traduzir em uma melhoria na qualidade de vida de pessoas com SD. Contudo, o estudo necessita de uma amostragem mais abrangente da população e de uma duração maior de exposição ao medicamento”, frisa o especialista.
Pesquisador busca verbas para fazer testes clínicos em larga escala
Formado em medicina e doutor em biofísica, Alberto Costa trocou o Rio de Janeiro por Houston, no Texas (EUA), para realizar um pós-doutorado em neurociência. Após quatro anos na cidade americana, nasceu Tyche. Pouco tempo depois, após ler tudo o que tinha à disposição sobre a síndrome de Down, tomou a decisão que mudaria para sempre o rumo de sua carreira. “Em alguns meses, ficou muito claro para mim que existia uma necessidade muito grande de mais pesquisa sobre o funcionamento cerebral de pessoas com SD”, conta.
Em 16 anos dedicados a investigações sobre a síndrome de Down, o brasileiro fez testes com animais e pessoas com a trissomia para medir suas funções neurológicas. Seu programa de pesquisa gerou mais de 30 artigos de pesquisas e capítulos de livros. Entretanto, apesar do histórico e dos resultados, ainda não tem condições de realizar estudos em larga escala para a aprovação do uso de medicamentos como a memantina ou a fluoxetina, que também tem apresentado bons resultados em testes com animais, no tratamento de pessoas com síndrome de Down. “Tudo isso custa treino, reputação, dedicação e dinheiro. Treino, reputação e dedicação tenho de sobra, mas o dinheiro é o maior problema”.
Enquanto luta por financiamento para a sua pesquisa, o pesquisador tenta ficar o máximo possível de tempo com Tyche. Com o passar dos anos, Costa diz se sentir cada vez mais próximo da jovem. Além da síndrome de Down, ela sofre com uma alergia severa a derivados do leite e ovos, o que limita suas atividades sociais. Ainda assim, o neurocientista procura incentivá-la a fazer novas atividades, como aprender a língua materna de seu pai. “Há uns dois anos, dei para ela um programa para aprender português, e, desde então, ela está cada vez melhor, apesar de entender muito mais do que é capaz de falar”.
Batalha contra o descaso
Embora tenha esperanças de que descobertas recentes para o tratamento da doença de Alzheimer possam trazer melhorias para pessoas com síndrome de Down (“Na minha opinião, o Alzheimer está presente de forma subclínica durante toda a vida das pessoas com SD”), o especialista acredita que pesquisas específicas sobre a trissomia são fundamentais para impactar positivamente a vida daqueles que, como Tyche, nasceram com um cromossomo a mais em suas células. E faz um apelo a outros pais para que o descaso de agências de fomento à pesquisa e da indústria farmacêutica não impeça que pesquisas como a sua possam avançar.
“Infelizmente, certos setores da sociedade decidiram há muito tempo que a vida dos nossos filhos com SD é descartável. Com o desenvolvimento de testes pré-natais mais precisos e menos invasivos, esta situação só tende a piorar. Portanto, cabe a nós, como pais, gerarmos as condições necessárias para que este tipo de pesquisa continue”.
Para fazer uma doação para as pesquisas de Alberto Costa, basta clicar neste link.
Saiba mais:
Entrevista com Alberto Costa publicada no jornal O Estado de São Paulo.
Reportagem sobre a memantina no tratamento da SD publicada no jornal Washington Post (em inglês).
Entrevista de Alberto Costa para a Rádio Pública do Colorado (em inglês).