Namoro sério entre jovens com Síndrome de Down

*Matéria extraída da Revista Sentidos.

Por Priscila Sampaio

 

Pessoas com síndrome de Down têm relacionamentos assim… Famílias compartilham experiências e especialistas dão dicas para que, no compromisso entre esses jovens, o amor e a informação superem qualquer barreira ou preconceito.

O que seria só mais um encontro do grupo Vamos Juntos* – dessa vez em um karaokê de São Paulo -, para Luis Otavio Almeida foi um momento especial. Ele conheceu Daniela Aparecida Lamim, olhou para seu rosto e sentiu algo: “Meu coração bateu muito forte, uma emoção que crescia dentro de mim, e ela é linda, mas é mais que isso, ela é legal!”, afirma o apaixonado de 31 anos. Já Daniela, de 25 anos, viu o rapaz se aproximar e quando tocou em sua mão sentiu uma forte emoção. “Eu olhei para a boca dele e gostei, achei o Luis muito lindo”, diz. Luis Otavio e Daniela têm síndrome de Down e namoram há um ano e meio.

O namoro entre pessoas com a síndrome é comum e saudável. No entanto, alguns pais se veem em uma situação difícil e delicada quando se trata do relacionamento afetivo de seus filhos com Down. Uns aceitam e acham necessário, enquanto outros, por razões diversas, são contra um envolvimento sério, mas aprovam algum relacionamento.

Conceição Maçães, dona de casa e mãe de Kátia, de 34 anos, percebeu que a puberdade da filha chegou aos 8 anos e com ela havia florescido a sexualidade da menina. Aos 16, Kátia apresentou o primeiro namorado para a mãe – a relação durou dois anos, mas ficou somente na escola. “Eu achei engraçado, legal e já sabia que dali não passaria, tanto que ela nunca disse que queria levá-lo em casa e eu também não o convidei. O namoro é uma coisa boa da vida, mas só na escola”, diz Conceição.

A mãe não conversou com sua filha sobre sexo. “Nunca falei com ela sobre isso, e não tive esses tipos de diálogos, mesmo porque eu acredito que minha filha não vai passar de namoro de abraço e beijo”, afirma.

Sobre casamento e sexo, Conceição é categórica em dizer que é contra. “Sexo para mim é só após o casamento. No caso de Kátia, não quero que ela tenha relacionamento sério, tampouco o casamento. Eu gostava muito da família do primeiro namorado dela, porque pensava igual a mim.

Namoro é para se divertir, se distrair.”

De acordo com Conceição, Kátia é muito fechada e não dá abertura para uma conversa íntima, o que acaba dificultando um diálogo sobre sua vida emocional.

Outro lado da moeda

Com base na filosofia da abertura, no entanto, Bento Aparicio Zanzini e sua esposa, a publicitária Marivone de Castro Zanzini, conduzem as orientações para o filho Caio, de 23 anos. Seu interesse por meninas começou aos 13. De acordo com a mãe, a sexualidade do rapaz ficou aflorada, e nessa mesma época ele começou a namorar uma colega de escola. A publicitária percebeu o relacionamento em uma carona que ela deu à menina. “Eles estavam no banco de trás e começaram a se beijar e abraçar. Então vi que o carinho era além da amizade.”

Preocupado, o pai tomou a frente e teve uma boa conversa com o filho. Zanzini, de forma didática, explicou para Caio como lidar com masturbação, camisinha, relação sexual e regras sociais para o namoro, deforma que matasse a curiosidade do menino. A conversa séria, da qual a mãe não participou, ficou como um segredo entre os homens da casa.

A família é de total acordo com o namoro entre pessoas com síndrome de Down. Segundo Marivone, a liberdade para o namoro é um direito que elas têm, desde que este seja de forma saudável e bem orientada, até mesmo para quando surgir o casamento, com sentimentos verdadeiros. Ela apoiará seu filho se ele casar.

Muitos preferem acreditar que os filhos com Down não sejam capazes de compreender os cuidados necessários para o sexo seguro

SEM DÚVIDAS

No quadro abaixo estão dicas primordiais para a orientação inicial, quando chega a puberdade e o interesse no sexo oposto:

O ideal é orientar o adolescente com Down como qualquer outro, tratar com naturalidade, adaptando as informações à realidade dele;

É importante demonstrar as regras de convivência que devem ser respeitadas conforme o ambiente onde se está;

Esclarecer sobre o respeito mútuo entre o casal;

Procurar entender o que realmente a pessoa está sentindo – se é amor, carisma, afetividade pelo(a) namorado(a);

Estar atento a frustrações que a pessoa com síndrome de Down poderá passar por não ter um amor correspondido;

Falar sobre o corpo, higiene íntima e esclarecer as dúvidas demonstradas pelo adolescente.

Os relatos de alguma experiência nem sempre são reais, podem ser fantasias, porém é preciso ficar em alerta, tanto para casos positivos e negativos. Alguns fantasiam o ato da relação sexual, que pode se concretizar;

Conversar com seriedade e não usar termos infantis;

Dê privacidade ao casal, mas esteja atento.

Os pais devem escutar, dialogar e orientar, sempre.

 

Os pais precisam estar atentos à chegada da puberdade da pessoa com síndrome de Down. Não há faixa de idade exata para essa fase

Esclarecer

O livro Para entender síndrome de Down, de Fátima Alves (WAK Editora), ressalta que a criança com síndrome de Down é capaz de alcançar desenvolvimento motor, afetivo, social e cognitivo, desde que seja estimulada e acompanha pelos pais. A autora indica que a qualidade de vida dos Down também se refere a relacionamentos amorosos e que a educação sexual, que envolve aspectos biológicos, afetivos e intelectuais, deve ser clara, pois ajudará a criança a melhor conhecer seu corpo e adquirir informações que repercutirão diretamente em sua conduta. Nesse sentido, a postura do pai Bento Zanzini é altamente recomendada, segundo Fabiane Muniz, mestre em sexologia e uma das colaboradoras do livro de Alves. A especialista afirma que muitos preferem acreditar que os filhos com Down não sejam capazes de compreender os cuidados necessários para o sexo seguro. Por isso, o tema não deve ser tratado apenas nas entrelinhas. É preciso fornecer informações claras e precisas para que sejam assimiladas, até porque quanto mais se esconde algo, mais se permite a fantasia e estimula a curiosidade a respeito.

Quanto mais natural for a reação dos pais, maior será a possibilidade de desenvolvimento sem traumas.

O risco se estabelece quando os pais, por medo de expor o adolescente a riscos físicos e emocionais, preferem negar a existência da puberdade e encaram o filho como uma criança assexuada. Fabiane defende que quanto mais natural for a reação dos pais diante do comportamento (namoro) e da curiosidade sexual dos filhos, maior será a possibilidade de desenvolvimento sem traumas. Independentemente da opinião dos pais – eles serem a favor ou não do relacionamento sério -, a conversa com o adolescente resultará positivamente, estabelecendo limites que os pais acreditarem ser os melhores.

Orientar sempre

Os pais precisam estar atentos à chegada da puberdade da pessoa com síndrome de Down. Não há faixa de idade exata para a chegada dessa fase. No entanto, a psicóloga Angela Maize Alves, especialista em psicologia escolar/educacional e clínica em deficiência intelectual, coordenadora de Psicologia e Empregabilidade da Associação de Desenvolvimento Integral do Down (Adid), afirma que mesmo que as jovens tenham menstruação e os rapazes desenvolvam pelos, não significa que estarão amadurecendo. Por isso é preciso avaliar a situação individual para trabalhar essa mudança. Há 15 anos na instituição, Angela contou que os integrantes da Adid recebem orientações sobre relacionamento, o que envolve a afetividade e a sexualidade. Há também grupos de pais que são orientados sobre como lidar com essa situação. “O que nós recomendamos é que a família, primeiro, se adeque a isso e à realidade que vive. Que o corpo é uma fonte de prazer, que se relacionar é algo do ser humano, que ela saiba proteger seu filho de exposição e vulnerabilidade, como abusos e assédios.”

Tabu há tempos

Na opinião da especialista, é comum alguma dificuldade da família em aceitar que seu filho ou sua filha está namorando, que tem um sentimento de amor pelo sexo oposto. Afinal, no nascimento da criança era normal que médicos alertassem para o fato de que a pessoa com Down morreria na adolescência ou viveria somente dentro de casa, sem planos de vida. Foi exatamente o que Eli Nogueira de Almeida, pai de Luiz Otavio e presidente da Adid, escutou do pediatra. “A primeira pergunta que fiz ao médico foi sobre a sexualidade. O profissional disse que Luis não teria apetite sexual. Quando meu filho estava com 15 anos, vi que errou.” Luis Otavio apresentou ereção, desejos e sua primeira namorada. Eli Almeida viu-se em uma nova realidade e tratou de cuidar disso. “Eu conversei tudo com ele, desde sobre conhecer uma garota até sobre ejaculação.”

* Vamos Juntos é um grupo que reúne pessoas com deficiência intelectual e síndrome de Down, para o lazer (parque, cinema, bares e restaurantes). O intuito é promover o convívio social sem a presença de algum familiar. Os participantes passam a ter compromissos com amigos. Os fundadores José Henrique Gabbay, Lia Ades Gabbay e Maria Fernanda de Almeida, todos com formação ligada à inclusão social, acreditam que esses encontros promovem bem estar no participante e estimulam a independência (supervisionada) da pessoa com deficiência. www.vamosjuntos.com.br

A união familiar

Otavio: “eu amo Dani e tudo nela!” (Foto: Ricardo Alcará e Shutterstock)

Mas para que um relacionamento seja positivo, as famílias precisam estar de comum acordo. Não adianta um dos jovens receber todas essas informações e a outra parte não ter qualquer apoio. “Quando o filho conta aos pais que está namorando, uma das primeiras preocupações é saber se a família do namorado ou da namorada concorda com o envolvimento. Nesse momento é necessária muita franqueza, pois o namoro pode chegar ao casamento, e por isso a posição, a verdade, deve ser estabelecida desde o início”, conclui Angela Maize.

Uma ponderação que a psicóloga faz é que, se o filho foi estimulado para ser incluído socialmente e ter uma vida comum, a estimulação deve ser global e não excluir o emocional. Essa opinião é partilhada por Eliana Maria de Almeida, mãe de Luis Otavio. Quando o rapaz disse: “Mãe… [um forte suspiro] estou namorando a Dani”, a primeira atitude dela foi ligar para a casa da moça. “Conversei com a mãe dela e procurei aproximar as duas famílias. Hoje viajamos juntos e os dois passeiam como qualquer casal de namorados. É um direito fazer projetos de vida e um deles é ter o amor”, pensa Eliana.

Era normal que médicos alertassem para o fato de que a pessoa com Down morreria na adolescência

De acordo com a mãe, uma das razões para que as famílias concordem com o relacionamento é fazer com que a pessoa se sinta acolhida na casa e passe a participar de festas e eventos familiares. Isso só traz resultados positivos. “Luis Otavio tem preocupação em se manter bem vestido, em dizer que está feliz e sentir-se como seus irmãos, que também namoram; as diferenças diminuem”, finaliza a mãe do rapaz.

Esse é o mesmo ponto de vista de Linalva Regina Lamim, mãe de Daniela. “Ela começou a ter contato com mais pessoas, a ter compromissos, além dos nossos. Ela se sente como seus irmãos, que sempre a trataram como igual. Tanto que ela tem conversado conosco seriamente sobre casamento, assim como os demais.”

Namorar, quando os irmãos sem a síndrome também namoram, faz as diferenças diminuírem

Linalva percebeu que a puberdade da Dani chegou aos 18 anos. A partir de então, procurou escutá-la mais e responder a todo tipo de pergunta que a filha fizesse.

 

Otavio: “eu amo Dani e tudo nela!” (Foto: Ricardo Alcará e Shutterstock)

O amor

Luis Otavio aprendeu a ser cavalheiro, abre a porta para a Daniela, deixa a moça passar primeiro e a apresenta a todos como sua namorada. Dani, com invejável segurança, afirma que ama seu namorado e diz que gosta do jeito que ele a trata, com “muito carinho”. A jovem adora vê-lo de terno e conviver com a família dele, e Luis faz questão da presença da namorada no dia a dia e com um sorriso de orelha a orelha declara: “Eu amo a Dani e tudo nela!”.