Sexualidade da pessoa com Síndrome de Down

Artigo analisa posição de pais, profissionais e de pessoas com SD a respeito da sexualidade

Autores: Talita Castelão, Márcio Schiavob e Pedro Jurbergc

Resumo

Objetivo:

Analisar as opiniões de pais e profissionais sobre a sexualidade de pessoas com Síndrome de Down (SD) e identificar como essas pessoas percebem a própria sexualidade.

Métodos:
Trata-se de pesquisa que utiliza análises quantitativa e qualitativa. Foram aplicados 809 questionários aos pais e aos profissionais (348). Foram realizados 12 grupos focais, com pais, profissionais e pessoas com SD. Foi realizado o teste qui-quadrado para análise das questões formuladas.

Resultados:

Os pais tratam os filhos num padrão infantil de comportamento, pois temem assumir as consequências de um relacionamento sexual que pode resultar numa gravidez com risco de reincidência da síndrome. Os profissionais sentem-se despreparados para orientar sexualmente a pessoa com SD e harmonizar as atitudes dos pais aos desejos sexuais dos filhos.

Conclusões:

A sexualidade das pessoas com SD estrutura-se como nos demais seres humanos, embora seja vivenciada com restrições percebidas por elas mesmas a depender do contexto social no qual estão inseridas.

Palavras-chave: Síndrome de Down. Sexualidade. Percepção. Pais. Grupos de estudo. Questionários. Grupos focais.

Introdução

Descoberta em 1866 por John Langdon Down, a síndrome de Down (SD) é a alteração genética mais comum entre humanos. Essa cromossomopatia provoca mais deficiência mental que qualquer outra doença. Estima-se que o Brasil tenha cerca de 110.000 (Lima, 9 1996) afetados que exigem tratamento e atenção especializados. As alterações da SD resultam, em 95% dos casos, da presença de um cromossomo extra, o de número 21. Os 5% restantes referem-se aos casos de translocação e mosaicismo (Antonarakis,1 1991). A possibilidade de nascer uma criança com síndrome de Down aumenta principalmente com o avanço da idade materna: em torno dos 20 anos é de 1:1500, subindo para 1:380 aos 35 anos e para quase 1:28 aos 45 anos.

Apesar de não haver cura para a síndrome de Down a qualidade de vida dessas pessoas tem sido melhorada significativamente. A instalação do National Down Syndrome Congress em 1973 nos EUA e a organização de movimentos similares em todo o mundo, defendendo o tratamento e oportunidades de vida dos pacientes e suas famílias, são responsáveis por esta melhoria (Cooley & Graham, 4 1991).

Corroborando esses esforços, a Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down (FBASD), em parceria com o Ministério da Educação e assessoria técnica da Comunicarte Marketing Cultural e Social, realizou uma pesquisa em âmbito nacional sobre pessoas com essa síndrome. A pesquisa ocorreu durante o período de outubro/98 a março/99.

A pesquisa considerou as questões: 1) sexualidade das pessoas com SD: visão dos pais e profissionais; 2) sexualidade das pessoas com SD segundo elas mesmas; 3) percepção de pais, profissionais e pessoas com SD sobre a viabilidade do casamento e reprodução; 4) capacidade de pais e profissionais para tratar o tema: sexualidade das pessoas com SD; 5) necessidade de receber informações sobre o tema sexualidade.

O objetivo do presente trabalho é analisar as opiniões de pais e profissionais sobre a sexualidade de pessoas com SD e identificar como essas pessoas percebem a própria sexualidade.

Métodos

Aplicou-se um questionário com perguntas que abordavam a percepção dos pais e dos profissionais sobre a sexualidade da pessoa com SD. A parte qualitativa baseou-se na técnica de grupos focais, os quais foram realizados com três grupos distintos: pais, profissionais e pessoas com SD.

Para planejar a amostra de pais e profissionais, seguiram-se duas etapas:

Para comparar as respostas de pais e profissionais as questões formuladas, realizou-se o teste de Qui-quadrado (gl=1 a=0,05). O pacote estatístico utilizado foi o Epi-Info 6.0.

Sobre a investigação qualitativa foram formados doze grupos focais (quatro de pais, quatro de profissionais e quatro com pessoas com SD, com média de 10 participantes por grupo). Nesta técnica foram considerados os pressupostos de sucesso relacionados ao número de participantes, tempo de duração, homogeneidade, ambiente, moderador e observador. As sessões foram gravadas e transcritas, garantindo a precisão das falas. A interpretação dos resultados baseou-se na análise de conteúdo de Bardin, 2 (1994) em combinação com o enfoque etnográfico de Morgan, 13 (1988).

A aplicação de questionários e a realização dos grupos focais ocorreram durante cursos patrocinados pela FBASD em uma cidade de cada região do País: na região Sudeste, em Vitória, na região Nordeste, em Salvador, na região Sul, em Porto Alegre e na região Norte, em Manaus.

Resultados e discussão

Entre os pais que responderam ao questionário, houve uma predominância de mulheres como informantes (82%). Em relação à idade, 77% da amostra tinham mais de 35 anos. Cerca de 68% tinha instrução igual ou superior ao ensino médio completo. Apenas 17% dos pais possuíam instrução inferior ao fundamental completo. Mais de 30% dos pais de pessoas com SD tinham um rendimento mensal de 16 ou mais salários-mínimos (SM). Do total, 38% tinha renda igual ou inferior a cinco SM e 26% estariam com renda situada entre 6 a 15 SM.

Semelhante ao grupo de pais, a grande maioria dos profissionais era do sexo feminino (92%). Sobre a idade dos profissionais, 69% concentrou-se na faixa etária de 30 a 49 anos. Em relação à escolaridade, 37,5% dos entrevistados possuíam curso superior completo. A estes se somam outros 34% que possuíam pós-graduação, níveis mestrado ou doutorado. Apenas 2,4% dos profissionais declararam nível de instrução inferior ao ensino médio completo. Quanto à renda familiar, 54% do total recebia entre 5 e 15 SM. No conjunto, cerca de 23% recebiam mais de 15 SM/mês.

Sexualidade

Perguntou-se aos pais e profissionais qual a opinião deles a respeito da sexualidade da pessoa com SD. Tanto pais (58,13%) como profissionais (71,83%) afirmaram, considerarem a sexualidade da pessoa com SD semelhante à de outras pessoas. Para 10,84% dos pais e 0,86% dos profissionais a sexualidade da pessoa com SD é inexistente. Poucos (3,68% dos pais e 0,86% dos profissionais) consideraram que a sexualidade existe, porém deve ser reprimida. Em todos os casos relatados, houve diferença significativa entre os grupos de pais e profissionais (Tabela 1 ). Estes resultados sugerem uma maior aceitação, por parte dos profissionais, quanto à condição de ser sexuado para a pessoa com SD.

Nos grupos focais, ao se tratar o tema sexualidade, a masturbação foi uma manifestação bastante citada. Os pais não estão aptos a lidar com ela. A falta de limites resulta em situações consideradas constrangedoras para muitos deles. Sobre isso foi colocado: “Eu vejo o pênis do meu filho sempre ereto. Eu fico constrangida de tocar no assunto, mesmo ele sendo um garoto.”

“Meu filho parece um cachorrinho se esfregando nas meninas.”

Lipp 10 (1988) coloca que a freqüência da masturbação para o deficiente mental é vista como um reflexo da falta de atividades, sobretudo prazerosas, para ele realizar. Isto não significa, portanto que eles possuam necessidades sexuais exageradas, mas sim que são restritas outras fontes de prazer e alegria. Além disso, aqueles que são dependentes dificilmente chegarão a ter sexo, podendo a masturbação vir a ser a única forma de expressão sexual. De um modo geral, atitudes que eduquem para a sexualidade são raras. Às vezes, como os próprios pais colocam, não se quer nem falar no assunto.

“A educação sexual da menina sempre foi um tabu muito grande. Nunca orientei minha filha. Eu não quero nem pensar neste assunto. Isto é pra você ver como é minha dificuldade. Quero distância.”

Os profissionais também reconhecem essa dificuldade e repressão quando tentam trabalhar orientação sexual.

“A família te policia no que você fala. Quando é um menino até é estimulado, mas a menina não. Não foge aos padrões sociais.”

“Os pais sempre mantêm os filhos como assexuados. Neste contexto até a masturbação incomoda.”

Para alguns profissionais a vivência da sexualidade vai seguir o padrão que a família adotar. Isso também tem ligação com a religião da família. Gherpelli

(1995) coloca que as características próprias de uma pessoa com deficiência mental não são os únicos fatores limitantes na vivência da sexualidade. O desenvolvimento psicossexual vai sofrer influência das circunstâncias de vida nas quais ele se encontra. Os profissionais relataram:

“Se ele pega no peito da empregada a mãe diz: “Mas ele é uma criança!” Não. Ele já tem 12 anos, está com os hormônios borbulhando.”

“Não é normal para mãe nenhuma a questão da sexualidade. O problema do down é maior ainda por causa da infantilização. A gente sempre pensa que não está na hora. É uma questão escabrosa para qualquer um. Não há diálogo aberto porque se subestima a capacidade de entendimento dele; não se trabalham os limites.”

A relação sexual também foi um ponto polêmico. Os pais manifestaram, às vezes, falta de percepção.

“Eu não percebo nada em relação a sexo. O ideal para minha filha (33 anos) é o artista que ela vê na TV. O caminho dela é só aquele toque. Ela se satisfaz só de assistir. Ela nem faz pergunta sobre isso.”

Enquanto os pais vêem o filho num contexto de infantilização, os profissionais trazem relatos que mostram o quanto as pessoas com SD estão inteiradas dos assuntos de cunho sexual.

“Tenho uma garota que tratei desde os oito meses. Por esses dias ela chegou na clínica, me falou que queria transar, mas que não queria ficar grávida. Eu disse que ela podia tomar pílula. Aí ela perguntou: “E a Aids?” Aí eu disse: “Realmente!”. Ela falou que pediu camisinha para o irmão, mas não sabia usar. Perguntou se eu ensinava.”

As pessoas com SD também falaram sobre a relação sexual:

“Eu já vi na TV e na aula de educação sexual.”

“Às vezes me chamam para o banheiro, mas eu digo que só casando para fazer amor.”

“Só casando pra nhanhar.”

Enquanto os pais mostram grande cautela ao considerar a relação sexual para os filhos, os profissionais se defrontam com situações que indicam que o interesse do filho é maior do que os pais suspeitam. Isso leva a acreditar que os profissionais estão mais preparados para aceitar a pessoa com SD como ser sexual, embora Giamia & D’Allones 6 (1984) afirmam que muitas vezes “os educadores projetam sobre os pais os aspectos repressivos que não chegam a perceber neles próprios”.

Caso se admita a possibilidade de uma vida sexual ativa para a pessoa com SD, instruções sobre anticoncepção, DST e Aids devem ser ministradas. Na prática, os pais é que determinam a vivência sexual de seus filhos à medida que validam ou não seu desejo. Os profissionais muitas vezes são colocados como vigias tanto a mando dos pais como da instituição. Segundo Pinel(1993), ao se considerar a vida sexual de pessoas com deficiência mental, normalmente se conservam os valores afetivo-morais onde a virgindade é valorizada e a atividade sexual é vinculada ao matrimônio, o que certamente convém às famílias e instituições.

Casamento

Quando perguntados sobre casamento para as pessoas com SD, 27,5% dos pais e 10,3% dos profissionais consideraram inviável; 31,2% dos pais e 42,5% dos profissionais concordam com o casamento em algumas situações; e 22,1% dos pais e 28,4% dos profissionais não fizeram nenhuma restrição. Nos três casos, os grupos diferiram significativamente entre si (p<0,05) (Tabela 2).

Constata-se que os pais assumem uma postura menos permissiva sobre a viabilidade de casamento para seus filhos. É bem verdade que o casamento para a pessoa com SD já é uma realidade, se analisados os exemplos descritos por Brown 3 (1993). Contudo, como afirma Pinel 14 (1993), o grande número de barreiras artificiais tende a segregar forçosamente as pessoas deficientes das não-deficientes, reforçando a idéia de que as deficientes só podem manter relacionamentos entre si. Se esse processo acontece de outro modo, o não-deficiente geralmente é considerado um fracassado. Isto encobre um significado: deficientes são considerados inferiores, atraindo assim, os semelhantes.

Nos grupos focais os pais disseram:

“Minha preocupação é com o casamento hoje, que é uma comunhão de idéias. Como é que o filho da gente se sairia bem numa relação sem ser farto de idéias e responsabilidades?”

“Eu quero que meu filho seja respeitado enquanto indivíduo. Eu não vou viver o resto da vida. Eu quero fazer com que ele tenha um amadurecimento para que ele leve a vida dele. Eu acho que a aceitação é uma coisa gradativa do dia a dia. Eu quero que ele cresça na vida e tenha o espaço dele. Não vou ficar podando. Se ele quiser casar a decisão é dele. Não quero que seja uma brincadeirinha, que tenha uma namorada só pra ficar transando. Ele não é bicho.”

“Não adianta pensar em casar o down sem ele ter um trabalho eficiente com remuneração justa. A questão do casamento passa pelo mercado de trabalho. Senão, é a gente que vai ter que cuidar.”

Sobre essa questão os profissionais relataram:

“Para mim o casamento de um down seria normal, mas para os pais é diferente.”

“Vi na TV uma down dando depoimento que casou com um normal e a família perseguiu.”

“Se a pessoa tiver independência econômica e maturidade para manter uma relação conjugal não vejo porque não. Mas isso depende muito da estrutura familiar.”

As pessoas com SD disseram:

“Meu sonho é casar, quero ter uma esposa. Quero ter duas filhas, vou me casar.”

“Meu pai casou com minha mãe na igreja. Falei para os pais dela (da namorada) que quero casar para ter filhos.”

“Quero casar na igreja, ter meu marido.”

“Tem um garoto que me agarra, me beija. Eu digo a minha mãe que preciso casar, ter filhos, morar com ele. Preciso ter meu marido com minha família.”

“O parceiro a gente é que tem que escolher. A gente é que vai viver.”

É esperado que entre pessoas que namoram surja o desejo de se casar. Isto também acontece com as pessoas com SD. Sobre o assunto, os pais colocam como condição a independência financeira e maturidade emocional. Para os profissionais a postura é semelhante, mas reconhecem que o apoio familiar é indispensável neste caso. As pessoas com SD desejam casar-se. Elas demonstram suas intenções e tentam, em alguns casos, explicar essa necessidade aos pais.

Klotz 8 (1995), entretanto, lembra de estudos que mostram a pouca habilidade das pessoas com deficiência mental em manter relacionamentos estáveis como o casamento, em virtude de possuírem conteúdos intra-psíquicos que lhe são peculiares como a baixa tolerância à frustração, necessidades imediatas, diminuição da magnitude dos mecanismos de sublimação e racionalização, dentre outras.

Filhos

Sobre a viabilidade de filhos para a pessoa com SD, a maioria dos pais (46%) e de profissionais (33,0%) acha inviável, embora exista diferença estatística entre os grupos (c2=13,79 p<0,05). Consideraram viável em algumas situações, 33,0% dos profissionais e 18,6% dos pais (c2=15,96 p<0,05). Uma menor proporção de pais e profissionais (13,9% e 16,1%, respectivamente) acham viável, sem restrições. Neste caso, não houve diferença estatística entre os grupos (c2=0,77 p>0,05) (Tabela 3).

Isto mostra que apesar de pais e profissionais apresentarem a mesma tendência a não indicarem a reprodução para pessoas com SD, os profissionais ainda são o grupo de maior flexibilidade nesse sentido.

Pais e profissionais que alegaram a baixa fertilidade masculina na SD como razão da não reprodução, provavelmente desconhecem os casos de paternidade descritos por Sheridam et al 15 (1989) e Zühlke et al 16 (1994). Aos pais que consideram a pessoa com SD incapaz de cuidar de um filho, certamente resta o temor de se tornarem os responsáveis pela nova criança que, segundo Moreira 12 (1998), pode ser outra pessoa com SD. De fato, na reprodução entre uma pessoa comum e outra com a SD, a possibilidade de nascimento de uma criança com a síndrome é de 50%, podendo os 50% restantes ser de filhos comuns. Quando, porém, considera-se a fertilidade para os homens afetados e ocorre a reprodução entre um casal com SD a possibilidade de nascimento de filhos comuns decai para 25%, continuando os 50% de possibilidade de nascimento de outra pessoa com a síndrome. Os 25% restantes referem-se a ocorrência de tetrassomia, o que levaria a abortos espontâneos pela inviabilidade do concepto.

Um relato interessante sobre filhos foi o de um profissional:

“Tinha uma garota down que apareceu grávida aos 14 anos. A família, que era religiosa, não quis abortar. Daí nasceu uma garota sem SD, muito bonita por sinal, muito comunicativa. A filha é que leva a mãe para nossa escola. Lá nós fazemos visitas individuais e ficamos sabendo da história da família. A avó conta que ela (SD) amamentou, dava banho, cuidava mesmo porque a família não tinha tempo de assumir. Ninguém sabe quem foi o pai. Essa garota down foi criada fazendo tudo. Sem saber eles ajudaram a garota. Isso é sabedoria de mãe.”

As pessoas com SD afirmaram:

“Eu detesto ficar menstruada. Tenho condições de ficar grávida.”

“Eu não tenho cabeça para ser mãe.”

“Não quero ter filhos. Já tenho cachorrinhos.”

Pais e pessoas com SD, ao considerarem as possibilidades de nascimento de uma criança, filha de pais (ambos ou um apenas) que possuam SD, podem recorrer ao aconselhamento genético e decidir o que desejam fazer. A esterilização foi uma questão que gerou discussão. Sobre este assunto, pais e profissionais não se mostraram favoráveis.

“A gente não quer encontrar o outro só pelo sexo. O carinho e o amor devem ser despertados. Esterilizar é mutilar e mostra sua incompetência para lidar com o assunto.”

“Se a gente busca cidadania não deve discutir a esterilização.”

“E daí se nosso filho com SD tiver outros filhos com SD? Será que nossos filhos com SD estão nos dando tantas desventuras que nós não queremos outro com SD? Eu pensei: que bom que foi SD, porque podia ser tantas outras coisas. Eu e meu marido fizemos um pacto para que ele pudesse ter a mesma vida que meus outros filhos têm. Agora pelo amor de Deus, a gente está discutindo se vai esterilizar… mas não passa pela minha cabeça. Eu vou ensinar ele a usar camisinha. Se ele faz tudo sozinho, por que não vai aprender a botar camisinha? Não queiram me tirar esperanças de jeito nenhum porque eu não deixo.”

A visão de pais e profissionais parece realmente ter se modificado sobre este tema. Mesmo sendo irreversível, a esterilização para pessoas com deficiência mental era praticada. Hoje, pais e profissionais estão preocupados em discutir temas que busquem a cidadania, autonomia e inclusão. A decisão de esterilizar geralmente era da família, ficando o deficiente sem opinar sobre seu próprio corpo.

Temas de sexualidade

Perguntou-se aos pais e profissionais se eles se sentiam capacitados para lidar com temas de sexualidade. Grande parte dos pais (41,6%) e dos profissionais (41,4%) se sentem capacitados a lidar com questões de ordem sexual, não existindo diferença estatística entre os grupos (c2=0,01 p>0,05). Ainda assim, 31,9% dos pais e 21,3% dos profissionais não se acham aptos (c2=11,27 p<0,05), Ficaram em dúvida, a depender provavelmente, da situação, 23,3% dos profissionais e 7,8% dos pais (c2=38,35 p<0,05). Nas duas últimas opções de resposta, houve diferença entre os grupos (Tabela 4).

Jurberg 7 (1996), relatando situações de cunho sexual em instituições, mostrou que os profissionais de atendimento tinham grande dificuldade em se posicionar adequadamente diante de manifestações de sexualidade de internos, sobretudo no caso daqueles em que ocorria deficiência mental. Salienta, ainda, que a freqüência dessas manifestações diz respeito não só à curiosidade natural e ao prazer, mas também à ociosidade e à falta de afetividade dos pais e educadores.

Pinel 14 (1993) critica a idéia que muitos profissionais têm sobre os pais negarem tentativas de educação sexual para o filho deficiente. Ela considera que os pais são as primeiras peças sociais a interferirem na sexualidade do indivíduo. Por isso, considerando-se que, mesmo nas situações normais, os pais já manifestam dificuldades para falar do assunto (devido à história de repressão que existe em torno da sexualidade). Em relação à SD, fica mais evidente a falta de preparo, pois lidar com temas de sexualidade seria vivenciar os próprios medos, preconceitos e interdições que se teve um dia.

Desejo de receber informações

Perguntou-se aos pais e profissionais se eles gostariam de receber informações sobre questões de sexualidade. Os resultados mostram que cerca de 80% dos pais se manifestaram afirmativamente; os restantes ou se manifestaram negativamente ou se omitiram. No grupo de profissionais, 84,7% afirmaram que sim, 0,6% não desejam receber informações e 14,7% não responderam. Certamente existe a necessidade de um trabalho efetivo de educação sexual para pais e profissionais.

Uma das primeiras providências, portanto, deve ser a capacitação de pais e profissionais para ajudá-los a orientar adequadamente o desenvolvimento global do indivíduo, incluindo o âmbito afetivo-sexual. Desse modo, conceitos e atitudes serão revistos, visando assim, o desenvolvimento psicossexual da pessoa com SD.

Sexualidade independe de deficiência. Assim, a pessoa com síndrome de Down, tem direito a viver e experenciar sua sexualidade de modo gratificante, à semelhança dos indivíduos comuns. Isto somente será possível se as pressuposições pessoais forem abandonadas e o respeito pelo outro for suficiente a ponto de permitir que ele viva plenamente como um ser humano.

Referências

1. Antonarakis SE. Parental origin of the extra chromosome in trisomy 21 as indicated by analysis of DNA polymorphisms. Engl J Med 1991;324(13):872-6.

2. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 1994.

3. Brown RL. Social life, dating and marriage. In: Nadel L, Rosenthal D organizers. Down Syndrome: living and learning in the community. New York: Wiley Liss; 1995. p. 43-9.

4. Cooley CW, Graham Jr JM. Down Syndrome: an update and review for the primary pediatrician. Clin Pediatr 1991;30:233-53.

5. Gherpelli MHBV. Diferente mas não desigual: a sexualidade do deficiente mental. São Paulo; 1995.

6. Giamia A, D’Allones CR. O anjo e a fera: representações da sexualidade dos deficientes mentais pelos pais e educadores. In: D’Avila Neto MI, organizadora. A negação da deficiência: a instituição da diversidade. Rio de Janeiro: Achiamé/Socius; 1984. p. 43-52.

7. Jurberg P. Programa de educação sexual para crianças institucionalizadas. Anais da 48a Reunião Anual da SBPC; 1996 jul 1. São Paulo (SP). São Paulo: SBPC; 1996. p. 123-4.

8. Klotz CG. A sexualidade da pessoa portadora de deficiência mental. Curitiba; 1995. [Monografia apresentada ao Centro de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão das Faculdades Integradas Tuiuti].

9. Lima CP. Genética Humana. 3.ed. São Paulo: Harbra, 1996

10. Lipp M N. Sexo para deficientes mentais: sexo excepcional dependente e não-dependente. São Paulo: Cortez: 1998.

11. Lutz W. Como selecionar amostras para inquéritos. Rio de Janeiro: IEA; 1986.

12. Moreira LMA. Considerações sobre aspectos genéricos e reprodutivos da síndrome de Down. Ser Down Inf 1998;2:17-23.

13. Morgan DL. Focus groups as qualitative research. Newsburry Park, CA: Sage Publications; 1988.

14. Pinel AC. Educação sexual de deficientes. In: Ribeiro M, organizador. Educação sexual: novas idéias, novas conquistas. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos; 1993. p. 36-47.

15. Sheridan R, Llerena Jr J, Matkins S, Debenham P, Cawood A, Bobrow M. Fertility in a male with trisonomy 21. J Med Genet 1989;26:294-8.

16. Zühlke C, Thies V, Braulke J, Reis A, Schirren C. Down syndrome and male fertility: PCR – derived fingerprinting, serological and andrological investigations. Clin Genet 1994;46:324-6.