Muitas crianças e adultos com síndrome de Down têm problemas de audição. Segundo as Diretrizes de Atenção às Pessoas com Síndrome de Down do Ministério da Saúde, cerca de 75% das pessoas com a trissomia sofrem perda auditiva ao longo da vida. Nas crianças, a causa mais comum é o fluido no ouvido médio. Tal como acontece com outros problemas médicos em crianças com síndrome de Down, ela também ocorre em crianças sem a síndrome, embora não com tanta frequência.
O mecanismo da audição
O ouvido transforma os sons em sinais elétricos que o cérebro é capaz de entender.
1) Os sons alcançam o OUVIDO EXTERNO
2) Passam pelo CONDUTO AUDITIVO EXTERNO (canal do ouvido)
3) E atingem o TÍMPANO, que vibra.
4) As vibrações do TÍMPANO chegam até três pequenos ossos do OUVIDO MÉDIO (martelo, bigorna e estribo), que vibram e amplificam o som como um sistema de alavancas…
5) As vibrações aplificadas são conduzidas aos líquidos do OUVIDO INTERNO (cóclea)…
6) Em seguida, atingem as CÉLULAS RECEPTORAS, que transformam as vibrações em impulsos elétricos.
7) Estes impulsos caminham através do NERVO AUDITIVO até o cérebro, que os percebe como sons.
Clique aqui e assista uma animação do funcionamento do ouvido
A transmissão das vibrações através do ouvido externo e médio é puramente mecânica. Se alguma acontecer de errado com esta parte do processo, o problema de audição que ocorre é chamado perda auditiva condutiva.
Já a conversão do som em mensagem no ouvido interno e transmissão para sua decodificão dentro do cérebro depende do funcionamento dos nervos e do tecido cerebral. Uma falha nesse caminho leva à perda auditiva neurossensorial.
Como saber se meu filho está ouvindo corretamente ou não? ele precisa de testes de audição especiais?
Crianças com síndrome de Down precisam ter a audição testada regularmente. Todos os bebês recém-nascidos devem ser checados para descobrir se têm um problema de audição. Entretanto os testes de rotina em recém-nascidos não identificam fluido no ouvido, que eles podem vir a desenvolver mais tarde. Como o problema afeta muitas crianças com a síndrome, todas elas precisam de um exame auditivo completo (timpanometria, audiometria e otoscopia) aos seis meses e depois anualmente para o resto da vida.
Não se preocupe muito se o seu filho parece não conseguir fazer o teste de distração ou de audiometria visual da primeira vez. Estes testes não dependem somente de ter audição adequada, mas também da criança ter atingido a fase de desenvolvimento em que ela pode localizar e se virar para um som feito fora de sua vista. Esta habilidade muitas vezes é desenvolvida mais lentamente em crianças com síndrome de Down. No entanto, quase todas as crianças com a síndrome devem ser capazes de responder aos testes de distração por volta de 10 meses de idade. As habilidades requeridas para responder à audiometria de reforço visual podem ser desenvolvidas muito mais tarde do que isso.
Seu filho deve fazer um segundo exame em torno dos 18 meses e, em seguida, a cada ano. Se em algum momento você achar que ele pode não estar ouvindo bem, você deve informar o médico ou agente de saúde que o atende. Por causa da síndrome de Down, sua audição deve ser avaliada por um especialista. É mais difícil testar a audição de crianças com deficiência, por isso é importante que o teste seja feito por alguém com experiência nesta área.
Testes de audição são estabelecidos em um gráfico chamado audiograma.
O que os pais devem procurar observar?
Embora seja comum dizer que os pais são muito sensíveis a problemas de audição em seus filhos, isso nem sempre acontece quando a criança tem síndrome de Down. Isto porque não é bem definido o que se pode esperar da criança. Eu já vi muito poucas crianças com síndrome de Down cujos pais ficaram surpresos ao descobrir que seu filho tinha um problema significativo. É importante notar que não é suficiente observar se a criança dá um pulo e se assusta, quando uma porta bate, quando o telefone toca ou se vira quando é chamado. Isto não quer dizer que o nível de audição é adequado para discernir uma conversa comum onde os sons tem uma ampla faixa de freqüência e as palavras são ditas rapidamente, uma após a outra. Verifique se o seu filho responde se você chamá-lo de outro quarto, ou se vira quando você menciona o nome dele ou alguma outra palavra de seu interesse quando você está falando com outra pessoa.
Existem outras maneiras de diagnosticar o fluido no ouvido médio?
Um teste de diagnóstico importante é a timpanometria. Ela mede a facilidade com a qual fluxos de som passam através do tímpano, quando a pressão no canal do ouvido é variada. Muitas respostas características são observadas em crianças com fluido no ouvido médio e o exame pode ser muito útil.
Em outro teste, um médico pode olhar diretamente o tímpano usando um tubo ampliado e uma luz forte (otoscópio) ou usando um espelho na cabeça e uma espécie de lupa. O tímpano tem uma aparência diferente quando existe fluido no ouvido médio. Este teste é chamado de otoscopia.
Recomenda-se que a otoscopia e timpanometria sejam incluídas em cada exame de audição completo.
Fluido no ouvido médio – o que é?
Fluido ou líquido no ouvido médio é quando existe acúmulo de um líquido viscoso que obstrui o ouvido médio e provoca perda de audição condutiva. Este espaço normalmente é ocupado por uma película de líquido límpido e ar. O fluido impede os pequenos ossos de transmissão de vibrarem livremente, assim as vibrações sonoras chegam com falhas ao ouvido interno. O efeito sobre a audição é parecido com encher um tambor com água – o som fica abafado.
Qual é a causa?
A trompa de Eustáquio ou tuba auditiva liga o ouvido médio à parte de trás do nariz. Ela faz com que qualquer fluido formado no ouvido médio escorra, permitindo que o ar passe para dentro do ouvido médio.
Em crianças, a trompa de Eustáquio é mais horizontal e menor do que em adultos, e em crianças com síndrome de Down pode ser particularmente estreita.
Quando alguém tem um resfriado, é muito comum que o nariz escorra e o muco infectado entre no ouvido médio também. Isto faz com que a pessoa experimente uma surdez temporária. Normalmente, quando o tempo esquenta, a tuba auditiva é limpa e o muco é drenado. Às vezes os médicos prescrevem medicamentos descongestionantes para ajudar a secar as secreções no caso de uma infecção deste tipo.
Às vezes, porém, uma infecção simples ou repetidas infecções das vias respiratórias superiores, como resfriados, adenóides infectadas ou alargadas e alergias, podem causar uma obstrução de longo prazo, que nunca é escoada do ouvido médio. Inicialmente, o fluido é fino e aguado, mas gradualmente toma aparência de uma gelatina rala (ou cola) e a audição é afetada. Isto acontece mais frequentemente em crianças com síndrome de Down do que na população geral.
Por que o fluido no ouvido médio deve ser tratado?
O fluido no ouvido pode causar surdez, infecção, dor, atrasar o desenvolvimento da fala, ocasionar problemas de comportamento e no progresso escolar. Se não for tratada, essas condições podem persistir, possivelmente afetando a longo prazo a fala, a linguagem e o desenvolvimento educacional.
Crianças mais desenvolvidas estarão mais aptas a compensar a perda de audição, mas quanto menos capazes elas forem, menor a capacidade de compensação. Desta maneira, é ainda mais importante o tratamento de ouvido com fluido numa criança com síndrome de Down do que em uma criança sem a síndrome.
Como se trata o fluido no ouvido?
Quando uma criança apresenta fluido no ouvido há quatro caminhos que se podem seguir:
1 – Esperar que o problema se resolva sozinho
As crianças sem deficiência tendem a superar o fluido no ouvido quando crescem e a tuba auditiva e outras cavidades se tornam maiores. É raro que persista além dos 7 anos de idade. O problema pode ir e vir no início da infância e, muitas vezes flutua durante o ano, ficando melhor ou deixando de ocorrer nos meses de verão.
Em crianças com síndrome de Down, no entanto, a doença tende a ser muito mais persistente e o líquido formado parece mais pegajoso do que nas crianças em geral.
2 – Antibióticos e medicamentos descongestionantes
Se o ouvido com fluido parece ter sido provocado por uma infecção aguda ou recorrente das vias respiratórias superiores, um médico pode administrar um tratamento de doses baixas de antibióticos durante cerca de 6 semanas. Isto pode ser combinado com um medicamento descongestionante para secar as secreções. Para algumas crianças isso resolve o problema e nenhum tratamento adicional é necessário. Outras podem se beneficiar da medida no curto prazo, mas precisar de um novo ciclo na próxima vez que apresentar uma infecção. Para aquelas que estão aguardando operações para colocar tubinhos de ventilação nos ouvidos, este tratamento provisório pode ser útil para manter a situação sob controle e melhorar a audição até que a operação possa ser feita.
Descongestionantes em gotas nasais não são recomendados e podem levar à produção excessiva de muco, uma vez que o efeito imediato desaparece.
3 – Inserção de tubos de ventilação ou carreteis
Se o fluido no ouvido não desaparecer espontaneamente em alguns meses ou não responder à ação de antibióticos, uma pequena operação pode ser realizada para remover a causa da obstrução e drenar o líquido do ouvido médio. Sob anestesia geral, o tímpano é perfurado com um instrumento muito fino. O fluido é então aspirado e um pequeno tubo é inserido na abertura na membrana do tímpano.
Às vezes, a remoção das adenoides (excesso de carne nas narinas) também é indicada. O tubo parece um carretel de plástico pequeno com um buraco no meio para ventilar o ouvido médio.
Estas operações podem ocasionalmente ser difíceis ou impossíveis em crianças com síndrome de Down porque o canal do ouvido pode ser tão estreito que o cirurgião não tem como operar. Nestes casos, aparelhos auditivos podem ser úteis, não só para melhorar a audição, mas porque eles tendem a alargar o canal do ouvido, de modo que uma operação pode ser mais fácil posteriormente.
Como funciona o tubo?
O tubo fica instalado no tímpano, ajudando a drenar o líquido e ventilar o ouvido médio. No entanto, a tendência é que, com a cicatrização do tímpano, o tubo seja empurrado para fora num prazo de 6 a 8 meses, em média, e o orifício em seguida, se cure por si só. O carretel pode ser facilmente removido do canal auditivo, no consultório, ou pode cair despercebidamente, junto com um pouco de cera. Não há necessidade de procurar o tubo ou consultar o pediatra, a não ser que haja problemas. O otorrino que fez a cirurgia geralmente verifica o carretel em torno de 3 a 6 meses após a operação, e irá checar a audição na ocasião e também depois que o carretel cair ou for retirado.
A operação é bem-sucedida?
Em crianças sem deficiência o ouvido volta a apresentar fluido e novos tubos devem ser colocados em 20% dos casos. Em crianças com síndrome de Down, no entanto, não só a recorrência é muito mais provável, mas, porque o líquido é muito espesso, o tubo em si muitas vezes fica bloqueado no espaço de um ou dois meses depois da operação, e a melhora na audição pode ter de curta duração. Por causa deste resultado muitas vezes decepcionante, alguns cirurgiões otorrinolaringologistas, fonoaudiólogos e especialistas em audiometria recomendam agora os aparelhos auditivos como tratamento preferencial para crianças que têm síndrome de Down e apresentam fluido no ouvido. Os tubos funcionam para algumas delas, mas o número de casos em que as operações não dão certo é grande. Não é aconselhável realizar operações repetidas, porque cada vez que um tubo é inserido, o tímpano tem que ser perfurado e cada vez que sai deixa uma pequena cicatriz.
4 – Aparelhos auditivos
Os aparelhos auditivos amplificam (aumentam) apenas o sinal que é enviado através do ouvido médio. Eles podem ser usados, logo no primeiro ano de vida.
O que posso fazer para ajudar meu filho com fluido no ouvido?
Em casa:
1. Não fique com a televisão ligada o tempo todo, a menos que você realmente queira ver o programa. O ruído de fundo de uma TV constantemente ligada pode interferir gravemente na capacidade da criança de ouvir quaisquer outros sons, como a fala, que estão acontecendo ao mesmo tempo.
2. Desligue a televisão e fale com seu filho de forma clara e com calma.
3. Certifique-se de que o seu filho está olhando para você quando você falar.
4. Dê várias pistas visuais ao seu filho – sinais e gestos – para ajudá-lo a compreender o que você está dizendo.
5. Seja paciente e repita as coisas com cuidado, caso seu filho não tenha entendido.
6. Não grite, não fale devagar, levante só um pouco a voz.
7. Sempre dê à criança muito tempo para responder qualquer coisa que você disse. Ela vai ficar muito frustrada se você começar a repetir o que disse antes que ela tenha tido tempo para responder.
Na escola:
1. Informe à equipe sobre o problema de audição.
2. A criança deve sentar-se perto do professor.
3. O professor deve certificar-se de que a criança está prestando atenção antes de dar instruções para a classe.
E os outros problemas de audição?
Em pessoas com síndrome de Down a cera ou cerume pode facilmente bloquear os canais auditivos estreitos e causar dificuldade para ouvir. Este é um problema bastante comum.
Algumas pessoas com síndrome de Down desenvolvem surdez do nervo auditivo (surdez ou da cóclea), quando envelhecem. Isso ocasionalmente ocorre em bebês e crianças pequenas, torna-se mais comum na adolescência, e se estende até a vida adulta. É muito importante que as pessoas com síndrome de Down tenham a audição verificada ao longo do tempo, porque a deficiência auditiva pode afetar o seu dia a dia. O padrão de um audiograma que revela surdez do nervo auditivo é diferente do de quem tem fluido no ouvido médio – os sons de alta freqüência são os mais afetados.
Surdez do nervo auditivo é tratada com aparelhos auditivos. É bom fazer um teste de audição em torno dos doze anos. Se for detectado algum problema, esta é uma idade muito melhor para introduzir aparelhos auditivos do que mais tarde, na adolescência, quando o jovem pode simplesmente se recusar a usá-los. Se a criança se acostumar desde cedo e se beneficiar claramente do aparelho, é menos comum que pare de usá-lo na adolescência.
Dr Jennifer Dennis – Diretora de Informação e Pesquisa – Grupo de Interesse Médico em Síndrome de Down do Reino Unido – 2001
Fontes: Associação da Síndrome de Down do Reino Unido e Audição.org