A paulistana Georgia Brandão Carrera, de 17 anos, participou em julho do encontro da National Down Syndrome Congress, em Denver, nos Estados Unidos. Georgia é filha da pediatra Ana Cláudia Brandão, colaboradora do Movimento Down, e irmã de Rafael, de 8 anos, e Pedro, de 17, que tem síndrome de Down. Georgia acompanhou a Dra Ana Cláudia, representante do Movimento Down, e participou do encontro para irmãos de pessoas com síndrome de Down no evento.
A jovem preparou um relato sobre sua experiência no congresso:
Neste ano de 2013, em julho, tive o privilégio de participar do encontro da National Down Syndrome Congress, em Denver, Colorado. Uma convenção com mais de dois mil participantes, os quais cada um vai procurar saber mais a respeito das pessoas com síndrome de Down, seja por ser profissional, por interesse próprio ou por possuir um membro da família com a síndrome.
A Convenção é um programa de três dias projetado para os pais, outros familiares como irmãos e avós, cuidadores e profissionais da educação ou da saúde. Tem início numa sexta-feira, com uma série de compartilhamento de sessões para mães, pais, avós e irmãos e todos que estão lá. Estas sessões populares, apresentadas geralmente por familiares ou profissionais, são oportunidades informais para compartilhar suas alegrias, preocupações e estratégia. Eu, como possuo um irmão com a síndrome, fiquei no grupo de irmãs e irmãos.
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No começo estava um pouco desanimada, era a primeira vez que ia participar de um grande evento a respeito de um assunto tão delicado para mim e não conhecia absolutamente uma alma sequer. Entrei no grande salão, com inúmeras pessoas de inúmeros jeitos, nacionalidades, raças e cores. E por incrível que pareça, mesmo sem conhecer ninguém, a sensação que tive foi de um leve arrepio que me aliviou, quando percebi que estava num ambiente onde todos tinham o mesmo e único objetivo: novos jeitos de lidar, possibilidades de um futuro melhor, emprego e saúde exclusivamente voltados aos nossos tão queridos irmãos.
Como era o primeiro dia, tivemos um momento para nos conhecer, e conhecer também nossos líderes. Cada líder, no passado, já foi também do grupo de “Brothers and Sisters”, ou seja, todos tem um irmão ou irmã com síndrome de Down. Fizemos jogos em pequenos grupos e depois uma atividade simples e divertida: o famoso “harlem shake”. Na realidade não entendi muito bem porque no primeiro dia nem tocamos em assuntos a respeito do principal proposto: nossos irmãos com síndrome de Down, e ainda continuo sem entender.
Diferentemente do dia anterior, no sábado, tivemos inúmeras palestras com nossos líderes sobre os mais diversos assuntos. Era incrível como a descrição que saía da boca dos “sibilings” (irmãos que não contém um cromossomo a mais nas células) encaixava direitinho no jeito do meu irmão e muitas lembranças passavam pelo meu cérebro. Lembranças do meu irmão, Pedro. Lembranças de situações que já passamos juntos, momentos de glória e felicidade, barreiras que destruímos e pareciam ser altas e concretas de longe, momentos de pura frustração e raiva, momentos tristes, consternados… Mas muitas das palavras eram também traduzidas de maneira que eu pudesse absorver um aprendizado: de coisas que levarei para a vida, junto ou não do meu irmão.
Na parte técnica, aprendemos em como lidar com certas situações de constrangimentos, ou quando nossos irmãos são vistos como incapazes. Também discutimos coisas mais racionais e lógicas: como o que podemos falar (“people first”, pessoas com síndrome de Down, e não pessoas Down), o que não podemos (R word – “retardado”), como agirmos diante de uma situação preconceituosa, por exemplo.
No domingo, o dia foi de descanso num parque de diversões, por conta do desgaste no dia anterior (muitas palestras). Acho que ninguém parou para pensar o porquê de nos levar especialmente para um parque de diversões, e eu demorei um tempo para compreender. Um parque de diversões é um local que possui uma das bugigangas da engenharia das mais curiosas: a montanha russa! A montanha russa é um objeto peculiar: provoca uma confusão de sentimentos no corajoso que sobe aos trilhos. Vale dizer: na fila para a entrada, sua barriga já dá aquela gelada só de olhar as pessoas à frente se aventurando pelo brinquedo. Quanto mais se aproxima a sua vez, aquela pontinha de medo vai crescendo, e crescendo… Até o momento em que sentamos no carrinho, e não há mais como desistir. Nós vamos ter medo? Sim. Iremos nos divertir? Também sim.
Mas ninguém sabe como será o percurso. Quais momentos serão bons, e quais serão ruins. E só saberemos, quando os vagões andarem. No começo é devagar, para dar aquela pulga atrás da orelha. Depois, a velocidade aumenta em quase que uma progressão geométrica, e em um piscar de olhos, já acabou. E você ficou apavorado na descida, e deu gargalhadas num looping, e numa reversão te deu uma pitada de pânico. E todas essas emoções passaram com tanta naturalidade, que nem dá tempo de perceber que a brincadeira acaba.
Analogicamente, a minha vida é a mesma coisa. Meu irmão me traz essa confusão de sentimentos, muitas vezes simultâneos. Para um pai ou uma mãe, confusos na hora de ter o filho com a síndrome vêm um inevitável medo. Mas, só irá saber como é que vai ser, se se aventurarem a entrar no vagão o mais rápido possível e deixar que os sentimentos os deixem fluir com segurança. Assim como a montanha russa, na vida é onde você anda com um sorriso no rosto, mas com um friozinho na barriga constante, de não saber o que vem pela frente.
Por mais que seu espírito seja o mais aventureiro de todos, é inevitável que borboletas batam asas em seu estômago. É inevitável a gargalhada durante um momento feliz como um looping, ou desespero como uma descida rápida.
O congresso foi uma experiência incrível, onde conheci muita gente. Aprendi muita coisa com as próprias pessoas com síndrome de Down e com seus irmãos, e percebi que na vida é necessário determinação para vencer barreiras, e no fim…
Bom, para o fim ser revelado, é necessário embarcar no trilho da vida.
Georgia Brandão Carrera