Há um ano recebi o resultado do exame da minha amniocentese: 47XX+21, ou seja, bebê de sexo feminino com síndrome de Down. Exatamente no dia 25 de Setembro de 2012, minha vida parou por alguns minutos e em seguida mudou drasticamente. Convivi com dúvidas e poucas certezas. Aguardei ansiosa a hora do parto para ter o concreto, o absoluto, o todo na minha vida. Segundos torturantes transcorreram. Dormia e acordava pensando em como seriam nossas vidas, nossa convivência, nosso futuro. Procurava respostas sem saber as perguntas. Uma ansiedade sem limites, uma vontade extrema de fazer a Terra girar mais rápido.
Os dias se passaram e Lorena nasceu em quatro de fevereiro de 2013. Parto cesariano, sem complicações. Peguei aquele bebê no colo e comecei a procurar a síndrome. O que encontrei: uma linda menina de olhos amendoados que queria aconchego do meu colo para mamar. Simples assim.
Uma vez li em um blog (Nossa vida com Alice) que a síndrome de Down é como um manto, que cobre o seu bebê. No início, aquele pedaço de pano é tudo o que você consegue ver. Você repara na textura do pano, na sua cor, na sua estampa… Com o tempo, você puxa um pouco o tecido e descobre que tem um olhinho brilhando, olhando para você. Puxa mais um pouquinho e vê uma mãozinha dando oi. E quando você menos imagina, descobre que por debaixo daquele manto tinha um bebê lindo, pronto para ser amado e estimulado, independentemente de quaisquer atrasos motores ou cognitivos. Nesse dia, você joga o manto longe. Não porque ignora ou se ilude sobre a sua condição, mas porque descobre finalmente que seu filho é muito mais que a soma de seus cromossomos.
E comigo foi assim. Em primeiro momento, eu olhava para a Lorena e ficava imaginando seu futuro, se ela iria andar no tempo certo, falar, alfabetizar, entrar na faculdade. Ficava me torturando vendo fotos da irmã mais velha, comparando seu desenvolvimento motor claramente atrasado e derrubando lágrimas ao perceber que aos quatro meses de vida sua hipotonia era praticamente de um bebê recém-nascido. Acordava de manhã e pedia a Deus para o desenvolvimento da pequena ser mais próximo do normal.
Mas, os meses foram se passando e minha convivência com a Lorena mudou muito. As sessões de fisioterapia e de fonoaudiologia foram tendo resultados positivos. Exames complementares de saúde não detectaram algo mais grave. Aos seis meses, ela foi para o berçário da mesma escola da irmã. E um dia finalmente percebi que o manto foi jogado. Num sábado de sol, um dia normal como qualquer outro, eu vi em minha frente uma criança sorridente que necessita de estímulos, os quais foram incorporados em nossas vidas e hoje já não nos fazem diferença. A síndrome de Down se tornou um mero detalhe. Parei de sofrer.
Saber do diagnóstico da síndrome de Down é uma notícia extremamente difícil de escutar e assimilar. O filho idealizado que não veio e as preocupações com o futuro são fato após a revelação. Mas, um conselho: não se desespere. O tempo acalma e esclarece. O tempo tranquiliza emoções que nos cegam e seca a lágrima inesgotável. E como diz Dalai Lama: “Só existem dois dias no ano que nada pode ser feito. Um se chama ontem e o outro se chama amanhã, portanto hoje é o dia certo para amar, acreditar, fazer e principalmente viver”. Assim, vivo um dia de cada vez e deixo minha filha me dar as respostas de sua vida.
E que venham mais dias vinte e cinco de setembro. Eu não choro mais.
Ivelise Giarolla é mãe da pequena Marina e da princesa Lorena. É esposa, amiga, família, médica, mulher guerreira. Feliz.
Confira outros textos de Ivelise Giarolla no Movimento Down:
A importância da estimulação precoce
Filhos mais que especiais
Ser diferente é normal
Ivelise Giarolla conta sobre sua gravidez de uma criança com SD
Coluna na revista Pais & Filhos:
Mãe sofre…
Inclusão escolar: a luta eterna
O dia em que a Terra parou
O que é um problema para você?