No dia em que soubemos da síndrome de Down, nossa filha já tinha três meses. Foi uma sensação de medo do desconhecido, medo de que ela poderia sofrer na vida. Chegamos em casa, meu marido Henrique e eu, e a colocamos no colo da minha mãe. Entramos no nosso quarto e choramos até nossas lágrimas secarem. Depois juramos nunca mais derrubar uma lágrima sequer por esse motivo, juramos ir à luta por um mundo feliz pra nossa filha e é isso que temos feito desde então.
Começamos então nossa rotina de terapias e estimulações. Sempre ao lado dela acompanhando cada detalhe, cada minutinho de suas atividades. Três anos se passaram voando e nossa passarinha sempre superando nossas expectativas de pais ansiosos, começava a voar para fora do nosso ninho. Cada conquista, cada passo na direção de sua independência nos deixava cada vez mais orgulhosos. E assim chegou a gora de escolher em qual escola a Maria Clara iria estudar.
Nunca consegui enxergar a Maria Clara como diferente de outras crianças por conta da síndrome de Down. Por isso mesmo já estava decidido que ela estudaria numa escola regular. Nada que impedisse nossa filha de se misturar, de ser ela única e ao mesmo tempo coletiva. Queríamos que ela convivesse com crianças com ou sem deficiência. Que se misturasse, que aprendesse e também ensinasse como acontece com qualquer criança. Não iremos cortar jamais as suas asas.
Após várias pesquisas levando em consideração aspectos como espaço, segurança, distância de casa (para ela não se cansar, pois as terapias continuam) e equipe pedagógica, escolhemos uma escola. E, acreditem, essa foi a parte mais fácil. O mais difícil foi vê-la entrar por aquele portão e passar longas quatro horas sem a mamãe do lado.
Lógico que houve um período de adaptação. No início ela foi ficando por poucas horas. Mais por regra da escola que por necessidade dela, pois desde o primeiro dia ela entrou sozinha, deu umas olhadinhas desconfiadas na minha direção, mas nada que a fizesse voltar atrás.
Logo na primeira semana levamos a sua fonoaudióloga que a acompanha desde bebê até a escola. Tivemos uma reunião junto à professora e a coordenadora pedagógica e traçamos alguns objetivos, deixamos pré-estabelecidas algumas alternativas na maneira como abordar os conteúdos nos momentos em que seria cobrado uma maior concentração da Maria Clara e algumas adaptações na maneira como seria aplicado alguns conteúdos da matéria proposta.
E foi com muita alegria que descobrimos que nem sempre no decorrer do ano foi necessário utilizarmos esses recursos. Na maioria das vezes ela acompanhou a sua turminha sem dificuldade e demonstrou também uma independência muito grande, rejeitando até ajudas dos amiguinhos que por vezes queriam fazer por ela, superprotegendo-a. Mesmo que demorasse mais que os outros ela permanecia ali e fazia questão de fazer por ela mesma. Cansava, parava por alguns momentos, mas fazia questão de retomar e terminar a sua folhinha.
Ela se adaptou sem nenhum problema à escola, criou laços afetivos com seus amiguinhos e com os profissionais da escola, desde as tias da merenda até as auxiliares. Terminou seu ano letivo reconhecendo todas as vogais, os numerais de 1 a 10, cores e formas. Tivemos sim dificuldades em alguns pontos, principalmente na coordenação motora, mas nada que todos nós não pudéssemos achar o melhor caminho junto à ela. Nunca foi dado um conteúdo diferente dos demais alunos.
A fonoaudióloga trabalhou também arduamente ao nosso lado, sempre preparando a Maria para o seu desenvolvimento em sala de aula. Nos orientou, ajudou, torceu cada minuto pelo sucesso da nossa passarinha. A Professora também foi fundamental nesse processo, ela sempre se mostrou interessada, buscava saber, estudar, tudo o que eu levava de material ela aproveitava e principalmente ela abriu espaço em seu coração para a minha filha. Como ela mesmo sempre diz, a Maria ensinou muito a ela que nunca havia trabalhado com uma criança com síndrome de Down. Desmitificou muitos preconceitos que vão se formando na nossa sociedade. Ela foi um dos grandes agentes facilitadores nesse processo de adaptação da nossa passarinha.
Assim mais uma vez nossa passarinha superou nossas expectativas e medos e enfrentou o seu primeiro vôo sozinha, longe do nosso ninho e terminou seu primeiro ano letivo com muita alegria e superação, mostrando para todos o quanto ela é capaz!
Por Bianca Costa
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