Como a síndrome de Down se deve a uma cópia extra do cromossomo 21, os pesquisadores biomédicos dedicaram seus melhores esforços a analisar a fundo os genes desse cromossomo, com a esperança de encontrar neles a chave para conceber tratamentos paliativos para os sintomas da síndrome, que é a causa genética mais comum de deficiência cognitiva. O quadro, infelizmente, acaba de se complicar.
Cientistas de universidades em Genebra, Flórida, Barcelona e outras cidades analisaram um par de gêmeos idênticos no qual apenas um tem uma cópia extra do cromossomo 21 (trissomia-21, o fundamento genético da síndrome de Down). O estudo revela que, no gêmeo com síndrome de Down, a atividade dos genes está alterada em todos os cromossomos, não só no 21. As alterações se organizam em domínios, ou grandes regiões cromossômicas, que são os mesmos no camundongo e no humano, e portanto se conservaram ao longo de centenas de milhões de anos de evolução. O trabalho foi apresentado no artigo principal da revista Nature.
A trissomia-21 nem sempre é total. Às vezes, basta a duplicação de um segmento desse cromossomo para causar a síndrome de Down. Seja como for, o conjunto das trissomias-21 totais e parciais constitui a aneuploidia (alteração do número de cromossomos) mais frequente entre todas as que permitem ao bebê nascer vivo: afeta um em cada 750 bebês.
Nenhum cientista está procurando uma cura da síndrome, mas há ótimas razões para procurar tratamentos paliativos dos seus sintomas, deficiência cognitiva, como também outras neuropatologias, hipotonia, defeitos congênitos no coração e Alzheimer de surgimento precoce.
Todos estes sintomas são muito variáveis de um indivíduo para outro, mesmo que a causa última seja a mesma duplicação do mesmo cromossomo. Por isso, Stylianos Antonarakis e seus colegas do Departamento de Genética Médica e do Desenvolvimento da Universidade de Genebra, além de outra dezena de instituições europeias e norte-americanas, supuseram que a paisagem genética (as variações dentro do âmbito da normalidade no resto do genoma) é a responsável por essa variabilidade.
E por isso eles utilizaram um par de gêmeos discordantes para a trissomia-21, ou seja, dois indivíduos idênticos em todo o genoma, exceto pelo número de cromossomos 21. Esse é o tipo de pesquisa impossível de ser programada, mas que é preciso aproveitar quando surge a oportunidade. “É um caso muito raro”, admite David González, pesquisador do Centro de
Regulamentação Genômica (CRG) da Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona, que contribuiu para o trabalho. “Normalmente, a trissomia ocorre já no zigoto [a célula que resulta da fusão do óvulo com o espermatozoide]; neste caso, o embrião já havia começado a se dividir, e a trissomia só ocorreu depois da geminação [a partição do embrião em duas metades, cada uma das quais dá lugar a um indivíduo completo], e só em um dos dois gêmeos.” É um evento realmente improvável, que os cientistas não duvidaram em aproveitar para lançar luz sobre a síndrome de Down.
O cromossomo 21 é bastante pequeno: contém apenas 500 dos 20.000 genes humanos (mais outros 500 dos chamados genes não codificantes, que não expressam proteínas). Como alguns desses genes são fatores de transcrição, ou genes que regulam outros genes, e como costumam ser sensíveis à dosagem, já cabia esperar que a trissomia-21 tivesse certos efeitos sobre a atividade dos genes em outros cromossomos. Mas os efeitos observados foram muito além, com grandes regiões ou domínios cromossômicos afetados de uma forma global, que afeta a geometria de todo o núcleo celular.
O fato de que será preciso lidar com todo o genoma e seus domínios topológicos, em vez de estudar apenas 500 genes, parece uma má notícia. Será mesmo? “Só em parte”, responde González, “porque é verdade que houve muita pesquisa sobre os genes do cromossomo 21, mas também que suas funções não explicam nem de longe todos os sintomas da síndrome de Down”. Os novos resultados conduzem aos domínios genômicos, que de fato os explicam.
Fonte: El país