Em 15 de julho de 1981, Débora chegou à nossa casa. Nascida com a Síndrome de Down, trouxe consigo muito temor e apreensão aos nossos pais, Margarida e Robério. Como ouvi dezenas de vezes ao longo da vida, Débora representou, na época, “o fim do sonho do filho perfeito”. O contexto familiar era o pior possível, pois, além da surpresa da Síndrome, nosso avô, Maneco, faleceria dali a poucos dias, vitima do câncer.
O tempo passou, e a menina foi se desenvolvendo.
Ingressou em escolas regulares, não sem alguns percalços, mas, inabalável, seguiu.
Terminou o primeiro grau e, anos depois, tornou-se a primeira pessoa com Síndrome de Down, na América Latina, a concluir o curso de Magistério. Nascia a Professora Débora. Privilegiados, os seus alunos!
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Deu palestras em dezenas de cidades brasileiras, além de ter ido à Argentina e a Portugal, sempre para relatar detalhes de sua vida e experiência profissional.
Aquela história de “fim do sonho do filho perfeito” parecia perder o sentido…
Em seguida lançou o seu “Débora conta Histórias”, livro de fábulas inclusivas, pelo selo Alfaguara da Editora Objetiva, com apresentação do jurista Renan Lotufo, Professor de Direito Civil da PUCSP, e do imortal João Ubaldo Ribeiro. O lançamento, em Natal, foi um sucesso retumbante. Cerca de trezentos e cinquenta livros vendidos em uma só noite, feito raríssimo, segundo os especialistas. Logo depois peregrinou por Recife, Maceió, Rio de Janeiro, São Paulo e Cuiabá, dando conferências e lançando seu livro. Até ao Japão sua história chegou, em entrevista ao Yomiuri Shinbun, jornal de maior tiragem diária no mundo.
Em fevereiro deste ano, Débora foi convidada para participar de painel em evento relativo ao Dia Internacional da Síndrome de Down, que ocorreu ontem, na Organização das Nações Unidas – ONU, em Nova Iorque.
Foi um momento de superior emoção para nossa família. Poucos brasileiros chegaram até ali, um dos principais foros de debates e resoluções do mundo. Débora foi a primeira mulher potiguar a fazê-lo.
Fácil perceber que, ao longo de sua vida, ela galgou conquistas significativas. Todavia, especialmente nos últimos anos, Débora vem nos mostrando que limites pouco representam, quando verdadeiramente se tem algum objetivo em mente. É bem verdade que esse é um chavão antigo, mas sua repetição é válida diante de caso que tão bem o exemplifica.
Para nós, familiares, além de nos emocionar quase diariamente com tantas vitórias, ela também nos preenche de indizível orgulho. Aliás, para alguns, Débora é hoje o maior orgulho do Rio Grande do Norte. É capaz de ser mesmo…
Mas o que verdadeiramente importa é o “caráter social” de sua história. Débora deve servir de exemplo para diversos pais, que, muitas vezes, após a notícia do nascimento do filho com Síndrome de Down, sequer sabem que suas crias podem falar ou viver socialmente. Seu recado é: invistam, acreditem, apostem nos seus filhos. Não os segreguem ou os subestimem. Permitam-nos viver e conviver com todos, assim, indistinta e livremente.
Hoje, quase trinta e três anos depois de seu nascimento, Débora espanta definitivamente aquela história, já sem qualquer sentido, que tanto escutei ao longo da vida, pois é claro que não representa “o fim do sonho do filho perfeito”; diversamente, traz o exemplo do filho que, ao seu modo, torna-se indispensável e insubstituível no convívio familiar e, acima de tudo, retrata inegáveis avanços da educação brasileira que, ao menos no peculiar aspecto da inclusão, é vanguardista.
Nova Iorque, 22 de março de 2014.
Frederico Araújo Seabra de Moura
Irmão de Débora