O metabolismo do hormônio da tireoide na síndrome de Down

A Carol Rivello, do blog Nossa Vida com Alice, traduziu uma série de artigos sobre a tireoide, glândula extremamente importante para o funcionamento do corpo humano e, em especial, em pessoas com síndrome de Down. Alterações da função da tireoide são comuns ao longo da vida de pessoas com a trissomia do 21 e por isso é necessário acompanhar os níveis dos hormônios de alguém com esta condição.

O primeiro texto traduzido, e que reproduzimos aqui, é sobre o metabolismo do hormônio da tireoide na síndrome de Down. O artigo é da Down Syndrome Treatment Center of Oregon. Foi traduzido e editado pela Carol e revisado pela Christiane Aquino, conselheira do Movimento Down em Brasília. O original em inglês pode ser acessado aqui. E no blog Nossa Vida com Alice você pode baixar uma versão diagramada em pdf.

O METABOLISMO DO HORMÔNIO DA TIREOIDE NA SÍNDROME DE DOWN

O sistema endócrino influencia cada função, cada órgão e todas as células do corpo. Nenhuma outra glândula endócrina exemplifica isso tanto quanto a glândula tireoide. O hormônio da tireoide ativo, a tri-iodotironina (T3), literalmente ativa todas as células do nosso corpo, entrando pela membrana celular, unindo-se ao DNA que então altera a expressão genética (reduz ou aumenta). Este processo inicia-se com a glândula da tireoide, que é um órgão em forma de borboleta situada na parte inferior do pescoço. Ela secreta principalmente tiroxina (T4) e um pouco de tri-iodotironina (T3). Estes hormônios são responsáveis por controlar o metabolismo celular, o crescimento, o desenvolvimento, bem como a temperatura do corpo, o ritmo cardíaco, nossos músculos, o sistema nervoso, apenas para citar alguns exemplos.

Ilustração da glândula da tireoide, um órgão em forma de borboleta que fica um pouco abaixo do pomo de adão, no pescoço.
Ilustração da glândula da tireoide, um órgão em forma de borboleta que fica um pouco abaixo do pomo de adão, no pescoço.

Normalmente, a glândula tireoide secreta cerca de 80-90% de T4 e 10-20% de T3. T4 é um hormônio inativo, ou, por vezes, chamado de um pró-hormônio, e não serve para controlar a função das células, até ser convertido em T3. T4 é assim chamado porque tem quatro átomos de iodo ligados a ele, enquanto T3 tem três átomos de iodo ligados a ele. A conversão de T4 para T3 é realizada por enzimas de deiodinase. A função destas enzimas é a de remover um iodo, o que converte T4 para T3. Existem vários tipos de enzimas deiodinase, cada uma com sua própria função: 5-deiodinase (D2) converte T4 em T3 ativo removendo um iodo do anel externo e 5′-desiodase (D3) converte T4 para T3 reverso, removendo uma de iodo do anel interno.

O T3 ativo tem a maior importância na ativação de todas as atividades biológicas e tem um grande efeito sobre a regulação da expressão genética. Os genes que são mais afetados pelo T3 ativo são:

•    O hormônio do crescimento
•    A osteocalcina (ossos)
•    Cadeias de miosina alfa (músculos)
•    TSH
•    Gene receptor de T3
•    E muitos, muitos mais

Quando os níveis de T3 intracelular são baixos, não só os genes não são expressos, eles também podem ser completamente inibidos. T3 também tem receptores nas mitocôndrias, que são a força motriz da célula, gerando produção de energia na forma de ATP. Sem T3 ativos as mitocôndrias não funcionam apropriadamente. O cérebro é particularmente dependente do hormônio T3 ativo, especialmente durante o desenvolvimento fetal (Patel, 2011).

T3 reverso tem o efeito oposto de T3 ativo, dado que é uma forma inativa de T3. Além de não realizar suas funções dentro da célula, eles de certa forma ocupam espaço, e bloqueiam a entrada e atividade do T3 útil, o ativo. Quando o equilíbrio entre a conversão de T4 em T3 ativo e T3 reverso começa a inclinar-se para a produção de T3 reverso, a atividade celular é reduzida e sintomas de hipotireoidismo aparecem. Isso pode acontecer, apesar de quantidades adequadas de T4.

A verdadeira força motriz por trás da conversão de T4 em T3 ativo versus T3 reverso é baseada na atividade das enzimas D2 e D3. O processo fisiológico que produz mais D3, produzindo assim mais T3 reversa, ou regula negativamente a D2, produzindo T3 reverso são:

•    Baixa de ferro
•    Cortisol alto ou baixo
•    Inflamação
•    Estresse oxidativo

A baixa produção de T3 ativo pode ser um ciclo vicioso, especialmente quando os genes de receptores de T3 são inibidos. Assim, o hipotireoidismo leva a uma redução ainda maior na absorção de ferro, no aumento da inflamação e estresse oxidativo, bem como o estresse sobre o corpo que leva a níveis altos ou baixos de cortisol.

Todos esses processos que contribuem para os níveis de T3 reverso e/ou receptores de T3 reduzidos nas membranas celulares existem de fato em crianças e adultos com síndrome de Down. Muitos, se não todos, os sintomas da síndrome de Down espelham os de hipotireoidismo congênito, incluindo baixo tônus muscular, atraso no desenvolvimento, erupção dentária atrasada, pele seca, hipertensão pulmonar, atraso cognitivo, má circulação, prisão de ventre, refluxo, baixa temperatura corporal, protusão da língua, hérnia umbilical, crescimento lento e muitos outros.

Endocrinologistas convencionais muitas vezes não reconhecem este processo, porque a sua única ferramenta para ajudar pacientes com hipotireoidismo é a Levotiroxina (Synthroid), que é um medicamento que regula a T4 e não aborda as questões como a conversão de T4 em T3 ativo.

Dra. Peirson vasculhou centenas de estudos, artigos científicos e livros de medicina, a fim de compreender todos os processos bioquímicos que apoiam a função hormonal da tireoide, especialmente em lactentes e crianças. Ela incluiu uma amostra de alguns dos melhores estudos e artigos que comprovam a necessidade de otimizar a função hormonal da tireoide em crianças e adultos com síndrome de Down.

Para ver toda a lista de artigos (em inglês), entre neste link.

A lista começa com estudos e artigos explicando a necessidade de mais testes detalhados da função hormonal da tireoide em crianças e adultos com síndrome de Down. Os recursos subsequentes são divididos por sistema ou sintomas que são comumente aceitos como consequência da síndrome de Down, mas são, na verdade, devido ao hipotireoidismo celular.

Nota do blog Nossa Vida com Alice:

“Gostei muito de um link que a Dra. Peirson sugere, ‘Hipotireoidismo e as limitações dos testes sanguíneos‘, do médico Donald P. Ellsworth. Traduzi um trechinho deste artigo com uma metáfora interessante, para complementar o texto acima. Segue abaixo”.

“Temos agora uma forte evidência de que a conversão intracelular de tiroxina (T4) para a forma ativa tri-iodotironina (T3) é inibida por vários fatores comuns. Hipotireoidismo relacionado a fatores intracelulares não será refletido em mudanças nem no TSH nem em níveis hormonais livres. Drs. Boc e Starr têm adotado um mecanismo de referência do tipo I para Hipotireoidismo subprodução e Hipotireoidismo Tipo 2 para hipoutilização periférica (descrita no livro, Hipotireoidismo tipo 2, Mark Starr, MD).

Resistência celular pode ser comparada a uma fábrica com trabalhadores suficientes aparecendo para trabalhar, mas incapazes de fazer o seu trabalho de forma eficiente. Os trabalhadores são os nossos hormônios, mas a fábrica é a célula.

Podemos ver que muitos trabalhadores estão aparecendo para o trabalho através da medição do nível de hormônio, mas não podemos ver se eles estão trabalhando bem dentro da fábrica. Para ganhar uma janela para o estado de nossas fábricas celulares temos de dar um passo atrás e olhar para a pessoa que é feita de todas essas células, para ter uma visão global. Se cada célula do nosso corpo é lenta, vamos ver isso sendo refletido em sintomas de função celular lenta – a pele seca, cansaço, intolerância ao frio, depressão, problemas de foco e memória, constipação, dores, perda de cabelo, a temperatura do corpo baixa.

O estudo do que acontece em nossas “fábricas celulares” é desafiador e só recentemente foi descoberto em detalhes. Sabemos agora que as células regulam a função da tireoide independente do sistema de regulação cérebro / pituitária. É sabido que muitas doenças crônicas produzem a chamada síndrome do doente eutireoidiano caracterizada por níveis laboratoriais normais da tireoide, mas com a diminuição da função da tireoide. Isso é muitas vezes visto em pacientes internados com doenças graves. Sabemos agora que, sob estresse, nossas células podem diminuir o metabolismo de alguns tecidos, aumentando a conversão intracelular de T4 em T3 reverso, em vez da forma ativa da T3 da tireoide.

Conclusão: Quando somente o TSH é usado para diagnosticar o hipotireoidismo, a maioria dos que sofrem de hipotireoidismo serão ignorados. O TSH alto geralmente indica subprodução de tireoide. Mas a TSH normal pode estar presente também em pessoas com grave subutilização celular de tireoide. Este fato é muito comum e também deve ser considerado. O TSH padrão para diagnóstico e tratamento de hipotireoidismo deve ser revisto para refletir nosso entendimento atual.”