Por Lili, do blog Mom Syndrome
Nos últimos três anos eu tenho me esforçado para tentar aprender e descobrir como navegar de forma adequada neste universo que é ter um filho com síndrome de Down. Eu sou uma mãe que está sempre aprendendo com todos os meus três filhos, não apenas Archie, mas ele, obviamente, traz desafios únicos para a maternidade. A única coisa que eu ainda estou tentando descobrir é uma maneira de lidar com tato, graça e paciência com a reação das outras pessoas em relação ao meu filho. E as reações são as mais diversas possíveis.
Uma que eu escuto muitas vezes é que “o Archie deve poder fazer tudo o que quer e ter tratamento especial, pois ele tem síndrome de Down”. É a visão de que, uma vez que ele tem uma “deficiência”, as regras não se aplicam a ele. Este raciocínio é problemático em muitos aspectos e só vai impedir Archie de ser uma pessoa independente e ter um comportamento aceitável socialmente.
Recentemente estávamos em uma festa de aniversário e, na hora do bolo, Archie queria muito ficar ao lado do aniversariante. O problema é que Archie tem uma obsessão por soprar as velas. É uma das coisas mais difíceis para ele controlar. Sua impulsividade fala mais alto e na maioria das vezes ele perde o controle. Como ele insistiu para ficar ao lado do aniversariante, expliquei a ele muito claramente: “você NÃO vai soprar as velas. Se você soprar as velas, você não vai comer bolo”. Ele sabia o que significava e respondeu animado: “Sim, mamãe, eu sei. Eu não vou!”. E eu sei que ele realmente queria que isso fosse verdade. Foi um plano ambicioso, mas eu dei uns passos para trás e me dispus a dar a ele a oportunidade de um momento de sucesso, ou um grande fracasso.
Quando as luzes se apagaram e o bolo chegou, com aquelas velinhas brilhantes, parece que eu vi as engrenagens dentro da cabeça dele começarem a rodar e ficarem fora de controle. Archie cantou “Parabéns pra você” no último volume e, antes mesmo do final da música, pulou para frente e soprou a vela com toda a força, antes que o aniversariante tivesse chance de fazer um desejo. (Felizmente a mira dele não é grande coisa, e, não houve maiores danos.)
Rapidamente o levei para o outro lado da sala e calmamente expliquei que ele não iria ganhar um pedaço daquele delicioso bolo de chocolate – uma das coisas que ele mais ama no mundo. Eu não estava brava com ele. Eu não estava chateada por ele ter não ter conseguido se conter. Na verdade, eu estava até feliz. Eu adoro dar a ele oportunidades para errar e faço isso com frequência. É justamente através desses erros, e das consequências que se seguem, que ele aprende melhor.
Ele chorou, implorou e deu chilique. As pessoas olhavam sem jeito. Uma mãe em especial ficou por perto e observou. Depois que eu havia acabado de falar e abraçar Archie, a mãe olhou para ele e perguntou em voz baixa, “você quer um pedaço de bolo?”. Fiquei chocada. E Archie também. Ele olhou para mim como se me dissesse: “isso é um teste?”. Olhei para ele com olhos arregalados como quem diz: “é, sim, veja lá o que você vai fazer…”. Então ele olhou para ela e, ainda fungando e com lágrimas nos olhos, disse: “sim, por favor.” (ERROU DE NOVO!)
Ela estendeu a mão para ele para levá-lo para buscar um pedaço de bolo e ele começou a caminhar na direção dela. Na minha cabeça, eu pensava: “O quê??”. Mas, educadamente, eu disse a essa mulher que eu nunca tinha visto antes na vida: “na verdade, Archie sabia que se soprasse as velas do bolo, não poderia comer bolo, mas, infelizmente, ele soprou. Por isso, vamos ter que ficar sem bolo desta vez”. Ela franziu a testa e soltou “aaaaahhhhnnn”. Sério, senhora?
A questão é: posso afirmar com certeza que, se Archie fosse uma criança sem deficiência, ela não teria sequer pensado duas vezes. Na verdade, ela pode mesmo ter achado que ele agiu errado. Mas como Archie tem síndrome de Down, na sua cabeça, ele precisava ser absolvido. Só que não!
A síndrome de Down faz parte de quem ele é, mas não é um passaporte para que ele possa fazer o que lhe der na telha.
Aqui estão alguns exemplos de coisas que a síndrome de Down não pode ser usada como desculpa para que meu filho as faça:
– Dar um tapa em sua bunda
– Apertar seus seios
– Te lamber
– Te beliscar
– Soprar as velas do bolo de aniversário de outra criança
– Comer comida do prato dos outros
– Beber o resto de bebida de outra pessoa
– Jogar coisas no chão para ver se elas quebram
– Empurrar seu filho no chão
– Furar fila
O problema é que, quando qualquer um dos incidentes mencionados acima ocorre, e eu corrijo Archie, a reação da maioria das pessoas é: “Ah! Tá tudo bem… Não tem problema…”. Na verdade, não. NÃO está tudo bem se o meu filho te lamber. É um problema, SIM, se ele dá um tapa na sua bunda. E, NÃO, ele não pode furar fila só porque tem um cromossomo extra.
Eu entendo totalmente as reações das pessoas. A intenção é boa, e todo mundo está realmente apenas tentando me deixar confortável e garantir que eu saiba que eles não estão incomodados pelas confusões do Archie. E ao mesmo tempo em que eu reconheça isso (e eu realmente reconheço), permitir que ele não se comporte de acordo com a idade que tem – um menino de dez anos – não lhe fará bem nenhum.
Obrigada por me deixarem desabafar.
Texto original em inglês no blog Mom Syndrome.