Quando eu tinha uns sete anos, a professora da escola pediu para imaginarmos nosso futuro. Eu escrevi uma redação dizendo que eu seria mãe, com um marido, e que teríamos dois filhos, um menino e uma menina. Era assim na casa em que cresci – e era isso que queria dizer família pra mim.
Mas as coisas acabaram sendo um pouco mais complicadas do que isso. Hoje, com 41 anos, eu tenho uma filha, Emily, de cinco, e um filho, Tom, de dois anos. Eu os adotei como mãe solteira e os dois têm síndrome de Down.
Eu tinha 35 anos quando o meu último relacionamento terminou e sabia que o tempo estava se esgotando para que o sonho de família que eu tinha, quando era menina, fosse realizado. Eu não queria desperdiçar minha vida esperando a chegada de um outro homem, inclusive porque ele poderia nunca chegar, ou chegar tarde demais. Eu já tinha sido mães de acolhimento (uma espécie de adoção temporária) por alguns anos e tinha pensado em adotar, mas sempre imaginei fazer isso com um parceiro. Agora eu teria que deixar de lado essa parte do sonho. Se eu quisesse ter a família que eu sempre quis, teria que ser sozinha.
Como professora de crianças com deficiência, eu sou fascinada pela forma como as pessoas são diferentes umas das outras. Depois que paramos de julgar, a diferença se torna algo bonito. Eu sentia que seria uma mãe melhor para crianças com deficiência e estava confiante que poderia oferecer um lar seguro e amoroso, onde eles iriam se sentir compreendidas e cuidadas. Então eu entrei em contato com uma ONG de adoção que eu sabia que tinha experiência em encontrar famílias para crianças com necessidades específicas. A ONG também oferece apoio às famílias depois da adoção, então eu sabia que não iria estar sozinha.
Após a entrevistas, treinamento e todos os nada-constas e exames médicos, fui finalmente habilitada a adotar em julho de 2009. Era apenas uma questão de esperar pela criança.
Eu tirei minhas últimas férias “de não mãe” mochilando pela Europa, e fiquei hospedada em um mosteiro e em casas de pessoas. Sabia que, uma vez que fosse mãe, viagens como esta serias impossíveis. E não apenas as férias – toda minha vida iria girar em torno da criança, e eu estaria sozinha. Todas as grandes decisões – consultas médicas, escola – tudo seria por minha conta. Meus pais estavam muito preocupados e meu pai, em particular, que nunca havia conhecido qualquer pessoas com deficiência, estava apreensivo com a enorme responsabilidade que eu estava assumindo. Embora ele tivesse prometido me apoiar, qualquer que fosse a decisão que eu tomasse, ele estava preocupado por eu ter que enfrentar as madrugadas e pressões emocionais, sem ninguém para me ajudar. Mas durante a viagem, enquanto eu fazia caminhadas e passeios turísticos, eu me questinonava mais uma vez, para ter certeza. E a resposta sempre era: sim, eu estava fazendo a coisa certa.
Não tive muito tempo. Logo que cheguei em casa, a agência de adoção ligou. Lembro-me que estava em pé junto à janela, ouvindo as palavras que mudariam tudo. Havia uma menina, com cinco semanas de idade, que tinha síndrome de Down e precisava desesperadamente de uma família. Perguntaram-me se eu estaria interessado em adotar uma bebê tão nova – muito mais jovem do que eu tinha imaginado. Eu fiquei tão atordoada que mal conseguia responder, mas consegui emitir um “sim”, quase sem fôlego.
Assim que eu desliguei o telefone, comecei a imaginar como seria ser mãe. Mas tudo o que eu sabia sobre a bebê era que ela estava muito doente, no hospital, e com uma cardiopatia – o problema cardíaco mais comum em crianças com síndrome de Down – e aguardava cirurgia. Eu me forcei a não me se sentir tão animada e não contei a ninguém sobre o telefonema pelas semanas seguintes. Tudo o que eu podia fazer era esperar que ela ficasse bem.
A primeira vez que encontrei Emily, ela estava recebendo oxigênio e tinha um tubo de alimentação, mas eu nem percebi nada. Só vi aquela criança, com grandes olhos azuis que não paravam de me olhar. Eu a tomei em meus braços, a aconcheguei e fiquei um longo tempo olhando pra ela. As fotos que me mostraram não me preparam para a experiência de segurar esse embrulhinho de calor, que eu amei desde o momento em que coloquei no colo. Foi imediato. Ela não tinha ninguém. Ela precisava de mim e eu ia ser sua mãe.
No dia seguinte, eu tirei uma licença por adoção no trabalho e durante um mês eu a visitava todos os dias, até que pude trazê-la para casa em outubro. Assim como tive que preparar o quarto, comprar o berço e roupinhas, como todos os pais fazem, eu tive que aprender a administrar o oxigênio em casa e usar um tubo de alimentação, o que foi muito assustador.
Até agora, Emily sofreu três cirurgias de coração aberto e quando ela estava se recuperando na UTI, ficou com um medo terrível das emergências que ocorriam ao seu redor, que acabou por traumatizá-la. Como consequência, ela não conseguia dormir direito e passou por uma fase de ter muito medo de tudo e de todos. A forma como ela lidou com tudo isso me ensinou muito sobre coragem e bravura.
Eu sempre quis que minha filha tivesse um irmão, e quatro anos depois eu me senti pronta para adotar novamente. Por conta de tudo que a Emily tinha passado, eu especifiquei que não poderia ter outra criança que precisasse de cirurgia cardíaca. Foi só depois que Tom se juntou a nossa família em setembro de 2013, que eu descobri que haviam feito um diagnóstico errado – o médico me disse que ele também tinha um problema no coração, e embora não fosse tão complexo como o de Emily, Tom também precisaria ser operado.
Foi um choque enorme e muito perturbador saber que passaríamos por tudo aquilo de novo. Mas não se pode planejar estas coisas quando se dá à luz, então por que deveria ser diferente quando se adota? A vida não é previsível e a gente tem que lidar com isso.
Foi isso que eu aprendi com Emily. Agora, quando ela e Tom se sentam um ao lado do outro e cantam Rema-rema, remador, eu sinto lá no fundo que esta foi a decisão acertada para todos nós.
Ainda há muitas consultas no hospital para gerenciar e outras coisas que são mais complicadas para nós do que para crianças sem deficiência – babás e grupos de atividades inclusivas são como ouro em pó, e eu tenho que pagar até três vezes as taxas habituais. Eu teria dificuldades financeiras para criar duas crianças com deficiência com um salário de professora em tempo parcial, se não fossem os benefícios a que meus filhos têm direito.
Emily está na escola regular dois dias por semana, enquanto eu cuido de Tom, e três dias por semana ela vai para uma escola especial, enquanto eu trabalho, o Tom fica com a babá. Nos fins de semana brincamos no parque ou vamos à biblioteca, onde todo mundo nos conhece e gosta de dizer “Oi” para Tom e Emily. Minha parte favorita do dia é a nossa rotina na hora de dormir. Sentamos os três juntos para ler histórias e, em seguida, Emily me ajuda a colocar Tom na cama. Enquanto eu me sento e o balanço, cantando canções de ninar, ela abraça seu boneco e canta junto. Quando eu o coloco na cama, ela coloca o boneco ao lado dele e, juntas, os cobrimos.
Não chegou ninguém para compartilhar nossas vidas, mas estou aberta para isso. Conseguir tempo para conhecer alguém é difícil, porém, será ainda mais difícil encontrar alguém compreensivo o suficiente para se tornar parte da nossa vida familiar. Em vez disso, eu me valho da minha enorme rede de apoio de familiares e amigos, incluindo os meus pais. Agora que meu pai conhece bem Emily e Tom, ele adora e é super orgulhoso de seus netos.
Eu sei que a sociedade tem uma visão negativa da deficiência, mas eu acho que isso vem da ignorância, porque a maioria das pessoas nunca conheceram uma pessoa com deficiência, ou então faz suposições com base em informações desatulizadas. Apenas 25 anos atrás, meus filhos teriam tido uma expectativa de vida baixa, mas agora a maioria das crianças com síndrome de Down vão para a escola regular, podem ter uma vida adulta independente ou semi-independente, e muitos vão viver até os 60 anos ou mais.
Às vezes as pessoas chegam pra mim na rua e perguntam “qual o “problema” dos seus filhos? Em seguida, eles dizem: “Você não sabia?”
Eu não respondo perguntas rudes e intrusivas como essa. Mas a verdade é que, sim, eu sabia. Meus filhos não foram uma segunda escolha para mim. Foi a melhor coisa que eu já fiz. Minhas fotos de família podem parecer diferente das que eu imaginava quando tinha sete anos, mas agora eu entendo que família significa algo diferente para cada um. Minha vida é tudo o que eu sempre quis. Eu não estou sozinha – Eu tenho uma família.
*Alguns nomes foram mudados
Tradução: Patricia Almeida
Fonte: http://www.theguardian.com/lifeandstyle/2015/jan/31/i-chose-to-adopt-two-babies-with-downs-syndrome-as-a-single-mother