O que dificulta o caminho do meu filho, Thorin, que tem síndrome de Down, para que ele seja aceito e incluído é, frequentemente, a ignorância sobre crianças com deficiência, juntamente com o sentimento de pena e medo, totalmente equivocados. O que eu gostaria que as pessoas compreendessem sobre o meu filho faria uma enorme diferença na vida dele.
1. Meu filho é uma criança multi-facetada
As descrições mais características de crianças com síndrome de Down que eu escuto são “feliz”, “amoroso” e “teimoso”. É claro, o meu filho pode ser desse jeito, assim como eu também posso ser e, na verdade, qualquer ser humano na Terra pode. Eu não acho que ele seja essas características, acima de qualquer outra coisa.
Antes de mais nada, o seu humor – embora ainda infantil e “de menino” – é o maior traço de sua personalidade. Ele só tem oito anos, então vou dar um desconto. Ele gosta de caminhar pela casa dedilhando o seu ukulele e compondo canções orgânicas. Sua composição mais recente chamava-se “Todo mundo peida”. A letra dava nome a todo mundo que peida: “mamãe peida, papai peida, Coco peida”, etc. Eu rezei para ele parar de cantar quando o senhorio veio em casa para checar um vazamento? Sim, eu desejei desesperadamente que ele parasse, mas sem sucesso. Eu fiquei eternamente grata por ele não acrescentar à música a estrofe “O senhorio peida”? Sim, fiquei.
Ele é curioso e brilhante. Este ano começamos a ensiná-lo em casa*. Ele ultrapassou minhas mais altas expectativas do que ele é capaz. Meu filho está lendo, aprendendo matemática, escrevendo à mão, soletrando e tudo o que outras crianças aprendem.
Ele tem talento para a fotografia, mas, assim como todos os artistas, não gosta de ouvir as ideias da mãe sobre o que deve ser fotografado.
Thorin é provavelmente muito parecido com o seu filho. Ele adora baseball, Os Vingadores, jogar UNO, falar sobre peidos, tirar fotos, aprender e ter amigos.
2. Meu filho precisa de mais tempo
Quando a maioria das pessoas vê o Thorin, acha que ele é lento, dependente e incapaz de entender assuntos complexos. Nós fazemos parte de uma sociedade que valoriza fazer tudo rápido. Este mundo é um lugar difícil para o meu filho, que precisa de mais tempo para processar quase tudo. Ele recebe a informação, mas leva tempo para registrá-la e internizá-la. Se ele está nervoso ou chateado, demora ainda mais. Se as pessoas pudessem ser um pouco mais pacientes, conseguiriam ver Thorin como ele realmente é.
O Thorin tem apraxia da fala, o que significa que ele tem ideias totalmente formadas na cabeça, mas tem dificuldade para comunicá-las. Se ele quer ver sua melhor amiga, Ella, ele diz: “Ella!” e eu pergunto “Me fale a frase – o que tem a Ella?”, e ele responderá: “Eu quero Ella brincar”.
Se eu tento encorajá-lo a elaborar um pensamento com outras pessoas, constantemente escuto: “Tudo bem, não precisa, não…”, ou se dirigem a mim “O que ele disse?”. Meu filho sempre se desanima com isso.
Simplesmente fazendo as coisas mais devagar, iríamos todos nos beneficiar e garantir que todos estivessem incluídos na conversa.
3. Meu filho não gosta de ser mascote
Eu fiquei morrendo de medo só em pensar que ele pudesse sofrer bullying quando entrou na pré-escola há alguns anos. Fiquei feliz em descobrir que ele foi bem acolhido pela turma – recebeu abraços dos colegas. Um dia ele estava atrasado para a aula. Quando eu entrei com ele, fomos de certa forma atacados por toda a turma, que estava empolgada em vê-lo. Naquele momento eu achei o gesto comovente e carinhoso. O que eu acabei entendendo é que o meu filho ficava assustado com aquilo tudo. Como sua mãe, eu estava tão feliz que ele não estava sofrendo bullying que negligenciei o fato de que ele estava se sentindo sufocado por tanto carinho.
Constantemente meu filho me lembra de que ele é um garoto crescido. Ele se dá conta quando é tratado como se fosse um bebê e não gosta nada quando isso acontece.
De toda maneira, eu não posso me dar ao luxo de ter um mascote em casa; preciso de ajuda. Então ele deve arrumar o quarto, guardar as roupas, lavar a louça (não só a dele), passear com o cachorro, fazer o próprio café-da-manhã, ajudar nas outras refeições e, basicamente, fazer o que ele puder para ajudar nas tarefas de casa, como qualquer membro da família.
4.Não haverá crédito extra por ajudar o meu filho
Além de ser abraçado, a coisa de que meu filho menos gosta é receber ajuda quando ele não quer ou não pediu por isso. Eu estava com o Thorin no parquinho tentando convencê-lo de que estava na hora de entrar na escola. Três crianças resolveram ajudar: uma pegou o Thorin pelo braço, arrastando-o, o outro gritou “Você tem que ir agora!”, enquanto o terceiro tentava colocar a mochila nele. Eu me adiantei e disse: “Parem, por favor! Eu sou a mãe. Esse não é o trabalho de vocês”.
Dois pais vieram conversar comigo e meu marido na escola para dizer que seus filhos queriam ajudar o Thorin. Só que essa oferta de “amizade” soou mais como assistencialismo e foi acompanhada por muitos sorrisos e comentários exagerados. “Não é maravilhoso? Eles realmente gostam dele!”. Tive a sensação de que algum dia me pediriam para escrever cartas de recomendação para a faculdade dessas crianças relatando a sua boa ação**.
Thorin e eu fizemos uma apresentação juntos para a turma dele – onde ele contou aos colegas como se sentia a respeito dos abraços e das ajudas.
5. Inclusão tem que acontecer em todo lugar
Frequentemente eu vejo o meu filho ser ignorado em situações de grupo. Seja no parque, na praia, na biblioteca, numa festa ou em qualquer lugar, existem crianças que podem se conhecer ou não. Muitas vezes ele tenta chegar nas outras crianças dizendo: “Oi!” ou “E aí!”. Na maioria das vezes, o interesse não é recíproco. Já houve ocasiões em que os pais desviaram o olhar quando eu buscava seus olhos implorando para que fizessem alguma coisa. Isso é bem diferente do “status de mascote” ou da “ajuda amiga”. Esse desejo diz respeito ao contrato social do qual todos nós nos beneficiamos para sermos incluídos como iguais.
Quando eu era criança, se íamos a algum lugar e houvesse uma criança excluída, minha mãe ou meu pai sempre me diziam: “Está vendo aquela criança? Vá chamá-lo para brincar”.
“Mas ela é estranha!” eu diria.
“Você também pode ser estranha para alguém. Vá lá agora”. Ou “Como você sabe que ela é estranha? Vá. Agora”.
E eu ia. E ficava tudo bem.
Incluir todo mundo é um importante ideal. E eu trabalho para incutir este valor no nosso filho.
Na verdade, as limitações mais profundas que pessoas com síndrome de Down têm enfrentado vêm dos outros. Num passado não muito distante, pessoas como o meu filho eram institucionalizadas, não tinham acesso a cuidados médicos adequados, nem eram aceitas nas escolas. Com a mudança dessas condições, a expectativa de vida de pessoas com síndrome de Down mais do que dobrou, resultando em indivíduos que não somente terminam a escola, mas também têm acesso à educação superior, independência e até se casam.
Meu apelo é que você leve a sério estes meus desejos e ajude a próxima geração a entender que o meu filho tem a mesma necessidade de pertencer que o seu filho.
* Nos Estados Unidos, a legislação permite que as crianças sejam ensinadas em casa, com supervisão das autoridades de educação, ao contrário do Brasil, onde todas as crianças devem ir à escola.
** Nos Estados Unidos, cartas de recomendação contam muito para o ingresso na faculdade.
Por: Kari Wagner-Peck
Tradução: Adele Lazarin e Patrícia Almeida
Foto: Reprodução