Gisele Fontes é mãe de Luisa. A pequena, que completou um ano no mês de abril, tem síndrome de Down, muita força de vontade e gosta de sorrir. “Ela ri para todo mundo, não tem como não se apaixonar”, conta a mãe, orgulhosa. Gisele também é mãe solteira de mais quatro filhos, tem mestrado em Direitos Humanos pela Universidade Federal do Pará (UFPA), é professora universitária, servidora do Tribunal de Justiça do Pará e todo mês viaja a São Paulo para fazer especialização em síndrome de Down. Além disso, ela encabeça a Associação Singularidade Down e escreve sobre sua relação com Luisa em seu blog, também chamado Singularidade Down.
Sua primeira relação com pessoas com síndrome de Down veio com a filha. Antes disso, seu conhecimento sobre a deficiência baseava-se no senso comum. “Eu tinha a visão equivocada de que pessoas com a deficiência são sempre felizes, pois não têm compreensão de que têm uma deficiência intelectual e só percebem o lado bom das coisas”, explica Gisele.
Gisele só descobriu que Luisa tinha síndrome de Down após seu nascimento. “Foi um grande susto”, conta. “Fiz todos os exames de pré-natal. Só não fiz o rastreamento invasivo, mas não havia indicador algum da síndrome”. No entanto, seu médico disse que os exames foram feitos de forma errada e as cardiopatias não foram diagnosticadas. Mesmo assim, a certeza definitiva de que Luisa tinha a deficiência Down só veio bem depois.
De acordo com Gisele, havia apenas uma suspeita, mas nada conclusivo, e os médicos não queriam dar o diagnóstico. Após 40 dias ela se consultou com a pediatra Isabel Neves, que não é geneticista, mas atende várias crianças com síndrome de Down, que afirmou que Luisa tinha a deficiência. Logo depois vieram os resultados do exame cariótipo confirmando as suspeitas.
Para Gisele, o mais importante é ver seus filhos bem e saber que irão ficar bem. “Eu fiquei aterrorizada, pois foi muito difícil tomar conhecimento das doenças que a Luisa poderia ter”, lembra emocionada. “Tenho receio de que ela desenvolva uma série de distúrbios que a comprometam. Tenho medo de morrer e não viver o suficiente para vê-la crescer e ser independente. Meu calcanhar de Aquiles é saber se ela está bem”.
Para poder entender o que estava acontecendo com a filha, Gisele buscou toda informação possível. “Sou uma pessoa muito ansiosa e preciso saber todas as informações, conhecer tudo sobre o assunto. Tenho a necessidade de dominar o assunto. E em se tratando de um filho, o tema se tornou ainda mais relevante para mim”, afirma.
Gisele começou pesquisando e baixando teses, artigos e produções científicas sobre o assunto. “Eu comecei então a perceber que aquilo que os médicos me falavam não batia com aquilo que eu lia”, conta. Luisa passou por três endocrinologistas em Belém e nenhum estava de acordo com o que a mãe lia nos artigos científicos. “Eu fiquei muito angustiada com isso”.
Para Gisele, existe uma grande falta de conhecimento em relação à síndrome de Down, o que atrapalha a atuação dos médicos. “Não acho que exista uma má vontade em relação à síndrome de Down, mas sim uma desinformação sobre ela, dessa forma gerando uma série de certezas sem fundamento”. Gisele aponta que os profissionais de saúde não têm formação sobre síndrome de Down a não ser que atuem especificamente com a deficiência. “Minha filha mais velha e meu ex-marido são médicos, mas eles não têm conhecimento sobre a síndrome”.
“Alguns médicos dizem que vão cuidar da minha filha como se ela fosse normal. Mas ela é normal! Dizem que vão cuidar dela como se ela não tivesse síndrome de Down, mas existem formas certas de se cuidar de uma pessoa que tem essa deficiência”, argumenta Gisele. Alguns medicamentos não fazem efeito em crianças com síndrome de Down e os médicos desconhecem os desequilíbrios bioquímico e metabólico e as particularidades da síndrome de Down.
Em sua angústia por tentar entender a síndrome de Down, encontrar médicos e descobrir as melhores terapias, Gisele decidiu criar um blog para contar sobre suas experiências. O nome Singularidade Down surgiu após muita reflexão sobre o que gostaria de transmitir ao público. Naquela época, a sua principal mensagem era dizer que a Luisa e as outras pessoas com síndrome de Down são únicas, assim como todas as pessoas são. “Todos são singulares. A única diferença é que, talvez, a singularidade seja mais visível, mais perceptível, na população com a deficiência. É uma população de pessoas singulares”, reflete.
Após a criação do blog veio a criação de um grupo de mães no WhatsApp para trocar informações sobre os filhos. O grupo ganhou tanta força que logo estavam fazendo ações, convênios com universidades e parceria com médicos. Quanto mais o grupo crescia, maior era a necessidade de se criar uma associação. Ao fechar uma proposta com o ambulatório da Famaz (Faculdade Metropolitana da Amazônia), a médica responsável pediu a Gisele para escrever o nome da associação responsável e ela deu o nome do blog da Luisa. E então nasceu a Associação Singularidade Down.
Para Gisele, não é a síndrome de Down que limita a pessoa, mas a falta de informação. “O que precisamos é que a sociedade esteja presente. Precisamos transformar o ambiente para que as pessoas com síndrome de Down percebam que elas têm um potencial a ser desenvolvido. Se a Luisa tem acesso a oportunidades, não há limites para o seu desenvolvimento”. Ao criar a Associação, Gisele percebeu que não pode cuidar e se importar apenas com a sua filha, pois ela não vai viver sozinha. Ela precisa de uma comunidade forte e onde ela possa se reconhecer. “Para isso, eu preciso ser ativa no meu meio social e ajudar a desenvolver a comunidade à qual a Luisa pertence, defendê-la e garantir que ela seja reconhecida” comenta.
Gisele entendeu que a Associação tinha que existir e que é preciso mudar o cenário para que as pessoas com síndrome de Down tenham autonomia e que possam enfrentar as dificuldades que a sociedade impõe. Para ela, o que talvez seja a coisa mais importante que as famílias de pessoas com a deficiência precisam entender é que não podem cuidar do próprio filho somente, mas devem se importar também com a comunidade. Foi quando surgiu sua identificação com Movimento Down. “Quando me chamaram para ser ativadora, percebi que era uma questão coletiva. Assim como diz Belchior, amar e mudar as coisas me interessa mais”. E é o que Gisele faz.
A experiência com o blog e a Associação e seu envolvimento com o Movimento Down fizeram com que ela entendesse a síndrome de Down não precisa ser um drama, mas tudo bem sofrer. “As mães de crianças com a deficiência precisam ser empoderadas para mostrar que não existe problema em ter síndrome de Down e não existem motivos para lamentar que o filho tenha síndrome de Down”. Gisele é resoluta. “O que temos que lamentar é a falta de acesso à informação, suporte de escola e uma sociedade que ainda não é inclusiva”.
E a Associação Singularidade Down cumpre bem o seu papel e está presente na vida de tantas famílias. O grupo desenvolve diversas parcerias com médicos e terapeutas, realiza eventos em locais abertos para pessoas com e sem síndrome de Down, busca ajudar famílias em situação de vulnerabilidade econômica e social, investe na capacitação de terapeutas, promove cursos, faz parcerias com universidades, dá oficinas e, acima de tudo, preza pela informação. Gisele constantemente visita escolas para fazer palestras e se coloca à disposição para dar cursos de capacitação.
Gisele está sempre presente e sempre atuante. Ajuda a comunidade e sabe o quão importante suas ações são para a vida da filha caçula. O filho brinca que ela quer que apenas Luisa seja inteligente e que logo ela será a mais inteligente da casa. Gisele conta com orgulho que a pequena não tem marcadores de atraso no desenvolvimento, o que se deve a vários fatores, especialmente ao estímulo e incentivo dos irmãos. A caçula está sempre presente no ciclo familiar, gosta de participar e interagir com todos. Luisa ainda tem um longo caminho a percorrer, mas pode ter certeza que poderá contar sempre com o amor e apoio de sua batalhadora mãe.
Por: Adele Lazarin
Foto: Bianca Viégas