Alex Duarte é diretor de Cromossomo 21, longa-metragem que traz a história de amor de Vitória, que tem síndrome de Down, e Afonso, que não tem a deficiência. Nós conversamos com Alex sobre seu filme e sua relação com pessoas com síndrome de Down. Confira:
1) Como surgiu a ideia do filme e o que o motivou a fazê-lo?
Eu era repórter de um jornal quando recebi como pauta cobrir a aprovação da jovem Adriele Pelentir no vestibular de Nutrição, na cidade de São Luiz Gonzaga, no Rio Grande do Sul. Ela descontruiu todos os meus conceitos sobre o universo da síndrome de Down, ao questionar sua existência, dores e aflições. Ela me disse: por que eu sou diferente de vocês? Por que somos impedidos de amar? Aqueles questionamentos passaram a ser meus. Me perguntava por que nós leigos, tínhamos a pré-disposição de julgar algo que não conhecíamos.
Ao gritar sua independência, Adriele me desafiou. Logo que me formei em Publicidade, larguei meu emprego e me dediquei exclusivamente a conhecer a história da Adriele. Talvez tenha sido os oito meses mais intensos e extraordinários da minha vida. Neste intervalo de tempo, quebrei rótulos, diagnósticos e crenças que eu mesmo carregava. Eu precisava contar essa história para o mundo, para que as pessoas passassem pela mesma experiência que eu estava passando.
2) Você conhece alguma história semelhante à história retratada no longa?
Sobre histórias de amor? Muitas! Não conheço sobre uma jovem com síndrome de Down e um jovem sem a síndrome que se apaixonam. Mas conheço de uma jovem com Down que se casou com um menino com deficiência intelectual e tiveram um filho sem a síndrome.
O romance de Afonso e Vitória no filme é uma metáfora das impossibilidades que a própria sociedade coloca, condicionando o que é certo ou errado nos relacionamentos, do que possível ou impossível nas nossas escolhas ou do que é ser diferente ou normal. O filme descontrói essa ideia justamente apresentando o que é mais bonito e humano entre nós todos: o desejo de amar, casar, ter filhos, construir nossa casa ou viver uma vida independente.
3) Você acredita que o filme pode ajudar a quebrar preconceitos que as pessoas com síndrome de Down sofrem?
Com certeza. O preconceito só existe porque as pessoas o produzem. Se somos autores de uma sociedade que admite isso, esse nível absurdo de julgar o que não conhecemos, nós podemos ser também os autores desse contrário. Assim como fomos autores da escravidão, fomos autores da sua desconstrução. Tenho perseguido essa isenção em meus trabalhos no cinema: armar o espirito para desarmar o preconceito, armar o espírito de capacidade de iniciativa e oportunidades. O filme e o projeto do Cromossomo 21 têm sido uma iniciativa em conjunto. Não só um desejo, é uma atitude prática com e para os outros.
4) Você já havia trabalhado com pessoas com síndrome de Down antes?
Não. Depois que conheci a Adriele passei a integrar a ONG Unidos para o Amanhã, na qual pais de filhos com deficiência intelectual têm buscado seus direitos com ações que promovam a inclusão social. A convivência com a ONG foi minha primeira pesquisa sobre síndrome de Down como experiência para o filme.
5) Como foi esse trabalho e a sua relação com os atores com a deficiência? Como foi a interação deles com o resto da equipe?
Uma escola. Ensaiava manhã e tarde com a Adriele e à noite ela tinha a tarefa de decorar as falas do roteiro. Era impressionante, porque todos os dias o texto estava na
ponta da língua. Adriele e os demais atores com síndrome de Down foram cobrados como qualquer um para cumprir horários e postura.Outra curiosidade bacana é que, por mais que o roteiro estivesse pronto e com uma linha a ser seguida, diversas vezes durante os ensaios, Adriele, Fernando e os demais improvisaram. E o improviso trazia muito mais verdade para o filme. Era o que queríamos para aquela obra, que ela se tornasse o mais real possível.
6) Como foi feito o casting desses atores?
O casting foi definido de três formas: primeiro quando descobri a protagonista Adriele. E fiz um trabalho de imersão individual. Segundo com teste de elenco com vários jovens até definir o ator principal, Luis Fernando Irgang. Terceiro, fiz o convite especial a atores com experiência já na área, como Deborah Finocchiaro (A Casa das Sete Mulheres), Susy Ayres (Rota Comando e A Praça e Nossa), Marisol Ribeiro (Família Vende Tudo e Vips), Nêmora Cavalheiro (Malhação e A favorita), e Fernanda Honorato (Tv Brasil). Elas acreditaram no projeto e se deslocaram até o Rio Grande do Sul com muito amor e disposição para viver seus personagens. Os demais são atores iniciantes e que passaram por um curso de intepretação de cinema para viver seus papéis.
7) Por que o filme ainda não foi lançado?
Cromossomo 21 é um filme independente, que iniciou de forma cooperativada e com investimentos do meu próprio bolso. Foram mais de R$ 90mil investidos e buscados com muito suor através do apoio de pequenas e médias empresas, ONGs e eventos. Atualmente o filme está tramitando na LIC- Lei de Incentivo à Cultura do Estado do RS, para ser finalizado e ir para os cinemas. A previsão é que o filme seja lançado em 2016.
Em outubro deste ano, no Congresso Nacional da Síndrome de Down, em Curitiba, vou também lançar o livro do Cromossomo 21, com a história que deu origem ao filme e também mostrando casos de jovens com síndrome de Down do Brasil e da América Latina que estão no caminho da independência.
8) Você consultou especialistas ou profissionais que trabalham com pessoas com síndrome de Down?
São seis anos de preparação, e esta preparação tem sido buscada nos livros e nas conversas com pessoas da área. A diferença é a filtragem que fizemos nesse processo. Hoje eu busco escutar e aprender com gente que acredita e opera no campo das possibilidades, como por exemplo, Dr. Zan Mustacchi e a mestre e psicopedagoga Carina Streda. Quando me dispus a fazer um filme que retratava de certa maneira a Sindrome de Down, estava ciente de que deveria estudar muito. Fiz diversas leituras, participei de congressos e atualmente tenho dado palestras em eventos relacionados à deficiência intelectual. Entretanto, meu maior aprendizado não está nas teorias ou nas obras literárias. Está na prática, quando dei minha qualidade de atenção ao ouvi-los e entendê-los. A Adriele apresenta um ponto de vista muito singular no filme, que é a sua história. A pergunta é, quando você assistir, qual o seu ponto de vista? Por mais que se trate uma ficção, os diálogos e as cenas do longa foram construídos sobre a ótica de pensamento de uma jovem com síndrome de down, que só quer amar e ser feliz. Quem não quer?
Alex Duarte é diretor de cinema, publicitário, realizador do documentário Haiti, a Missão de Nossas Vidas, foi professor do curso de Cinema pelo Ministério da Cultura, atuou na Fundação Roberto Marinho e atualmente é diretor de Marketing do Instituto Tânia Zambon.
Sobre o filme: www.cromossomo21.com.br