“A inclusão na educação regular coloca a escola em situação de discussão e de mudanças, o que é muito bom para todos”

Rosana Bignami e a sua filha, Giovanna Bignami Grecchi, que tem síndrome de Down e tem 10 anos. Giovanna está do lado esquerdo da foto e Rosana do lado direito.

 

Conversar sobre inclusão é tema recorrente na vida da professora, pesquisadora e ativadora do Movimento Down, Rosana Bignami. Mãe de Giovanna, que tem 10 anos, Rosana teve que aprender a garantir os direitos da filha desde o seu nascimento, principalmente no que se refere à educação. Giovanna tem síndrome de Down e hoje estuda no fundamental I de uma escola regular, convive diariamente com crianças sem deficiência e participa das atividades propostas pelos professores. Conheça a história de Rosana e Giovanna e saiba o que elas têm feito para deixar o mundo um lugar mais inclusivo.

Como tem sido a experiência de sua filha em estudar em uma escola regular?

Minha filha teve várias negativas de matrícula e algumas dificuldades em escolas privadas e públicas. No início deste ano, decidi mudá-la de escola em função de vários eventos. No último lugar onde ela estudou, a turma da qual ela fazia parte foi fechada e eu não encontrei nenhuma vaga em outras escolas.

Na escola atual, ela apresentou um desenvolvimento positivo que eu atribuo – principalmente – às demais crianças e a algumas mudanças que eu ativei e que foram bem recebidas (não sem algumas dificuldades): fiz reunião com o diretor e solicitei por escrito apoio em sala de aula; solicitei uma estagiária com especialização para mediação na classe junto ao CEFAI (Centro de Formação e Acompanhamento de Formação e Acompanhamento à Inclusão); fiz uma palestra de sensibilização na escola; adaptei todo o material do ano inteiro para a professora; fiz mais de 10 reuniões ao longo do ano com a escola e com o CEFAI; tivemos muitas conversas com a Giovanna para que ela aceitasse a nova escola, pois ela vinha de uma experiência extremamente negativa, recusando-se até mesmo a entrar no local; entreguei material sobre a síndrome de Down; e participei das reuniões de pais, nas quais a professora também pôde abordar a questão da inclusão.

Esse trabalho ainda está em andamento e em evolução, mas já apresenta resultados positivos. A classe recebeu a minha filha muito bem, e é bom lembrar que o papel das crianças nesse processo é fundamental. É importante destacar também que as crianças refletem aquilo que a própria escola fala e que os pais em casa oferecem. Portanto, no caso específico da Giovanna, observo que a classe colaborou muito. A inclusão na educação regular coloca a escola em situação de discussão e de mudanças, o que tem sido muito bom para todos.

Um exemplo disso é que antes os professores aguardavam os alunos na sala de aula, deixando que as crianças ficassem no pátio e subissem sozinhas. Com a chegada da Giovanna, considerando ser necessário que ela tenha supervisão, a escola mudou e pediu para que todos os professores passassem a esperar seus alunos no pátio. Isso certamente favorece todas as crianças e não somente a Giovanna.

Qual é a importância da educação inclusiva? E quais os benefícios?

Os benefícios que observo são vários: a inclusão muda os paradigmas da instituição escolar, forçando-a a rever seus conceitos e a mudar os métodos de ensino; a inclusão também desafia as pessoas ‘normais’ e as coloca em posição mais favorável, o que, de uma certa forma, as faz enxergar o mundo com uma visão mais feliz; os educadores passam a buscar alternativas de ensino, o que acaba favorecendo não só as crianças da inclusão, mas também aquelas que têm algum tipo de dificuldade de aprendizagem; os investimentos em recursos que acabam beneficiando vários grupos, não só os alunos com deficiências, aumentam.

Para Giovanna, especificamente, a inclusão na escola regular é muito favorável. De uma criança introspectiva, ela passou a ser mais sociável; de uma criança mais preguiçosa, ela passou a ser mais ativa. Agora ela fala mais e sua comunicação e interação social melhoraram. Ela melhorou até mesmo fisicamente. Essa evolução não poderia acontecer ficando em casa ou interagindo somente com outras pessoas que têm as mesmas dificuldades.

Como foi o processo de inserção da sua filha na escola regular? Qual foi o posicionamento da escola?

As escolas, em geral, não estão preparadas para a inclusão. Isso decorre da falta de preparo pedagógico, pelo desconhecimento da síndrome e das demais deficiências, pelo preconceito ou pela falta de recursos. Tudo isso, no entanto, pode mudar. Pode-se preparar os professores, pode-se divulgar informações, pode-se acabar com o preconceito e pode-se obter recursos. Ou seja, é questão de preparar o terreno. Esse processo não é fácil e muitas vezes há sujeitos que se negam a aceitar a inclusão (negando matrícula, deixando as crianças ‘estacionadas’ em um canto da escola, deixando que o bullying aconteça…).

No caso da minha filha, fiz muitas mudanças e foi um esforço enorme, mas compensador. Como disse, ativei o diretor, o CEFAI, fiz caminhada, criei páginas para discutir o tema no Facebook, criei uma rede de famílias, fiz inúmeras reuniões com a escola (diretor, coordenador, professor, auxiliar…), fiz palestras, fiz materiais. Logicamente contei com a aceitação por parte dos demais envolvidos que colaboraram mudando sua atitude e isso tem favorecido o processo para todos no ambiente educacional.

A escola, no início, tratou a questão do ponto de vista legal. Depois dos meus pedidos e  de minhas idas ao CEFAI e à escola, começaram o processo de discussão sobre a questão, buscando interagir mais. No final do ano escolar, observamos que houve progressos: a Giovanna está bem mais adaptada, a classe a aceitou completamente e a escola passou por várias mudanças.

Como é o relacionamento dela com os demais alunos e com os professores?

Com os alunos da classe é excelente. Com os demais alunos da escola não pude ainda observar, mas certamente é mais distanciado. Já com o corpo docente, houve alguma recusa no início, principalmente por parte de alguns professores de especialidades (inglês, artes, informática), mas aos poucos foram aceitando e hoje trabalham melhor com ela. Foi necessário, como disse, sensibilizá-los e também oferecer suporte em recursos materiais (dicas, informações, material pedagógico). Quando adquiriram maior confiança de que o processo pedagógico ocorre de fato, passaram a trabalhar melhor com ela.

Qual é a maior dificuldade que os pais precisam enfrentar em relação à educação inclusiva?

Antes de mais nada, as escolas têm que aceitar os alunos (é lei, não se discute isso, mas as escolas ainda têm muita dificuldade em compreender isso); depois, é necessário levar informações para essas escolas (o que é a inclusão, o que é a deficiência, como lidar com ela, quais podem ser as dificuldades, quais são os ganhos); depois, os pais precisam se empoderar (eles têm que fazer a inclusão, não podem esperar que o Estado o faça, pois já fez a lei). É necessário também compreender que a deficiência não é algo ‘pronto e acabado’, mas que ela é uma ‘caixinha de surpresas’ e daí a sua grande dificuldade e desafio. Eu ouço muito de famílias e de escolas o seguinte: “Agora que fizemos as mudanças, ela/ele já se adaptou, a escola já se adaptou, tudo irá correr bem”. Isso não existe. O que existe é a incerteza todo dia e é preciso se acostumar com a incerteza. Método 100% não existe, recursos 100% não existem. Não há uma fórmula. Esse é o aprendizado que a inclusão traz.

 

Foto: arquivo pessoal