Grandes bebês?

Um grupo de jovens com e sem síndrome de Down posa para a foto em seu local de trabalho. Eles usam um uniforme branco e uma touca branca na cabeça. Todos sorriem. A imagem exemplifica a importância da autonomia e inclusão social de pessoas com deficiência.Alguém duvida que é assim que a gente vê os filhos? Até qual idade dizemos para que escovem os dentes ou se agasalhem melhor? Quando o filho ou filha tem uma deficiência, a coisa muda de figura. Pra pior. Tanto tempo investido naquelas crianças, em forma de terapia, atenção, horas em consultórios, hospitais, noites sem sono, faz com que achemos que elas se tornam nossa propriedade. Quase uma extensão de nós mesmos. Não tenho a menor dúvida de que isso é fruto de todo amor que sentimos pelos filhos e que nossas intenções são mesmo as melhores possíveis. Daí essa vontade incontrolável de protegê-los de tudo e de todos. Inclusive da vida. Mas será que isso é viável? Ou, pelo menos, saudável?

Muitas vezes não deixamos espaço para nossos filhos construírem suas próprias identidades, seus desejos e sonhos. Tomamos decisões por eles, mesmo sem ouvi-los. Os sonhos deles parecem que são nossos. Eles vivem as nossas vidas, e nós as deles. E como eles não conhecem outro jeito, se conformam em ser nossos companheiros, nada além disso. Não é esquisito que os pais vão às festas dos filhos e se divirtam mais do que eles? Dá pra imaginar isso acontecendo com algum jovem sem deficiência?

Temos lutado duro para que nossos filhos sejam incluídos na sociedade, mas quando um passo mais arriscado precisa ser dado, nosso alerta de medo acende e empacamos. Não permitimos que subam no trepa-trepa, fritem um ovo, saiam sozinhos, namorem, trabalhem. Ah, ele não dá conta… Ah, vai ser melhor pra ela assim… Ah, pode acontecer alguma coisa ruim… Mas nem consideramos que possa acontecer alguma coisa muito BOA!

Nos grupos que frequento, tanto no Brasil quanto no exterior, mães e pais que têm filhos com síndrome de Down são unânimes ao dizer o quanto o trabalho ajuda seus filhos a crescer mais do que qualquer terapia alguma vez foi capaz de fazer! Eles assumem responsabilidades e desenvolvem, através do trabalho, as mais diversas habilidades. Dão conta! Se não da primeira vez, errando e tentando de novo. Não é assim que todo mundo aprende? E o mais importante disso tudo: se sentem motivados, valorizados, tem algo que é só deles e não precisam compartilhar com ninguém. Sentem que estão de fato produzindo e contribuindo para a sociedade. Não era isso que queríamos pra eles lá atrás? Então por que não damos uma chance?

Ah, mas eu dei uma chance e veja o que aconteceu… Não tenho dúvida de que podem ocorrem problemas. Alguns muito graves, como perder-se, ser enganado, ou o terror que apavora qualquer mãe ou pai, abusado. É natural que, após um trauma assim, a confiança na autonomia vá por água abaixo e tanto o indivíduo como a família resiste tentar de novo.

É por isso que a preparação deve começar desde cedo. Deixar cair quando for aprender a andar. Deixar escolher as próprias roupas, o que quer comer, ao invés de decidir tudo por eles. Deixar se frustrar nas brincadeiras. Na escola, oferecer apenas o apoio necessário para dar o próximo passo. Entender que nem todo mundo é bom, que a vida não é feita só de sucessos. Ensinar que não vivemos numa redoma, prevenir contra abusos. Educar para o mundo. E não pensar que isso nos isenta de responsabilidades, de ajudar, de apoiar e de sermos companheiros. Talvez esse caminho seja até mais difícil, mas é um direito do seu filho, além de ser muito mais gratificante e importante, inclusive para você. Afinal, ninguém vai ficar pra semente.

Não foi Khalil Gibran que disse que nossos filhos não são nossos filhos, são filhos da ânsia de viver? Por que no caso dos filhos com deficiência seria diferente? Leva mais tempo, dá mais trabalho. Requer paciência e coragem! Mas cada vez mais temos provas de que não é impossível. Vamos ser o arco para que suas flechas cheguem cada vez mais longe, prepará-los para que tenham condições de enfrentar a vida. Um passo de cada vez e sempre em frente.

Mas pra sermos bem sucedidos, precisamos mudar. Pois certamente isso não será possível se continuarmos tratando nossos filhos como grandes bebês.

 

Por: Patrícia Almeida, mãe de Luíza, 22, de Cecília, 21, e de Amanda, 11, que tem síndrome de Down.