Com síndrome de Down, Mohamed é o astro no filme da irmã cineasta

Mohamed, um jovem de 18 anos com síndrome de Down, é a estrela do filme da irmã. Na imagem, o jovem aparece sem camiseta e de óculos em frente a algumas árvores. Ele olha para o alto e sorri, confiante.

“O Mohamed representa o amor puro
o amor que não tem, que não pede nada em troca.
É aquele amor assim que conquista todo mundo.
É muito bom estar perto dele.”

As aulas da faculdade de Cinema ensinaram à Dayana que para um bom documentário, é preciso ter um bom personagem. E este ela já tinha em casa: Mohamed, ou Momo, como é chamado. O irmão caçula, quatro anos a menos que ela, que ama fotografia e futebol. Que quer estudar muito, trabalhar muito, dirigir, tocar guitarra, montar uma banda e que tem síndrome de Down.

Dayana não se lembra de quando teve a consciência de que o irmão tinha deficiência. Em casa, sempre ouviu dos pais comentários e conversas, desde que Mohamed nasceu e acompanhava a rotina do garoto, de fisioterapia, fono e terapia ocupacional. “Eu queria fazer também, até que no primeiro dia que fiz, nunca mais pedi, mas foi legal porque eu entendi o que era feito com ele”, conta Dayana Sokem Dalloul, de 22 anos.

Era difícil entrar na cabeça dela, ainda criança, por que só o irmão tinha tantos compromissos? Há cinco anos a família toda mora em Brasília, cidade para onde o pai foi transferido pelo trabalho e que Dayana escolheu para cursar Cinema. E lugar onde Mohamed iniciou no caminho da fotografia.

“Eu faço o curso, eu gosto de fotografar. Eu gosto. O que mais gosto de tirar foto? Tudo. De paisagens, flores e pessoas”, diz Mohamed Blal Sokem Dalloul, de 18 anos. Mohamed, além do talento para a fotografia, tem um sorriso cativante. Demonstra a felicidade escancarando os dentes e também pelo brilho dos olhos, de quem tem orgulho do que faz. O jovem já expôs em Londres, Nova Iorque e a próxima cidade é Manchester. “As fotos ficaram lindas. Eu tiro fotos bonitas, fiquei muito feliz”, diz.

Diagnóstico

Aos 7 meses de gestação, a mãe, Sueli, recebeu a notícia de que o bebê sofria de alguma alteração no coração. Foi acompanhada até o parto e posteriormente por um especialista. À época, os médicos descartaram a síndrome, por não haver ninguém com ela na família, mas o diagnóstico se confirmou no nascimento. “Na hora que nasceu, a pediatra falou: olha o seu Downzinho mãe”, ela ficou comigo o tempo todo”, recorda Sueli Sokem Dalloul, de 51 anos. O choque de não saber o que fazer veio. O sofrimento inicial também. E o renascimento quatro meses depois. Mohamed passou pela cirurgia cardíaca. Foram seis horas de muitas lágrimas em frente ao centro cirúrgico, até que os pais enxergaram o sinal positivo dos médicos, que tudo tinha dado certo.

“Deus deixou ele para a gente, porque a gente tinha a vida inteira para amar e proporcionar o melhor para ele”, lembra Sueli. A mãe seguiu à risca o que ouviu dos médicos: que tinha que criar o filho para ser independente e inclui-lo na sociedade. E foi assim que toda família fez.

Apesar de todo apego ao irmão, Dayana foi realmente conhecer e estudar sobre a síndrome quando estava no Ensino Médio, no dia em que ouviu em uma aula de Biologia, que as pessoas com síndrome de Down viviam até, no máximo 45 anos. Surtou e encontrou adultos já idosos, com mais de 70. De lá para cá, foram contatos com organizações Brasil afora e um carinho imenso pela causa.

No começo, Dayana pensava em escrever um livro sobre o irmão, mas quando percebeu a paixão que tinha pela filmagem, encarou o curta-metragem. O resultado foi apresentado como Trabalho de Conclusão de Curso na IESB (Instituto de Educação Superior de Brasília).

“Um dia, no terceiro ano de faculdade, o professor de documentário falou que tudo o que você precisa para um bom documentário, é um bom personagem. Na hora eu pensei no Mohamed”, lembra. Ela passou a idealizar roteiro do curta que foi filmado ao longo de um ano. “Ele adorou. Não era muito fácil, tinha dia que ele não queria gravar os depoimentos”, lembra a irmã.

Mohamed tem o tempo dele de fazer as coisas. Não é por ter a síndrome de Down, mas por ser sistemático mesmo. Malha todos os dias às 16h e o banho também tem hora: às 18h30. Nem um minuto a mais e nem um minuto a menos.

“Eu gostei de fazer. Meu time é o Santos”, diz o protagonista. Um dia, lavando louça, ele intimou a irmã, era agora ou nunca. Disposto a falar, só gravaria os depoimentos se fosse ali, na cozinha. Dayana não pensou duas vezes. “Eu fiquei muito feliz com o meu filme. Eu gostei da parte que eu estou tomando banho no chuveiro”, brinca.

A irmã explicou que queria fazer o filme e o que iria filmar: as atividades dele diárias, na academia, fono, na piscina e tirando fotos. As imagens nunca foram feitas de surpresa e a única ressalva do rapaz era se a irmã havia pego autorização da dona da academia ou falado anteriormente com a fono para gravar.

Um dos grandes objetivos que Dayana queria passar ia muito além da quebra de preconceito. “Queria contar uma história que sempre me inspirou e ajudou a me tornar a pessoa que eu sou hoje. Eu posso inspirar outras pessoas, tantos as que não conhecem a síndrome, quanto as que já escreveram livros”, descreve a cineasta.

A família se despiu em 15 minutos. A mãe conta como foi descobrir a síndrome e a cirurgia cardíaca. O irmão mais velho aparece voltando para a casa, Mohamed comemora a ida de Breno para o Rio de Janeiro com ele e as duas datas de aniversário: a de nascimento e a da cirurgia.

“É a nossa história e é uma história muito feliz, com um desfecho bom e satisfatório. Era isso que eu queria”, resume Dayana. A versão online foi trabalhada na acessibilidade. Uma das preocupações de Dayana era o receio de estar sendo egoísta. “Eu tinha medo quando ia decidir o que contar. Eu ficava pensando: e se fosse comigo? Eu ia gostar que isso fosse exposto, porque ele não ia falar ‘não’, ele confia em mim”, comenta.

No dia da apresentação do trabalho na faculdade, Dayana teve a certeza de que não havia errado a mão. Apesar de ver repetidamente as cenas assim que eram gravadas, Mohamed a agradeceu de novo, mas dessa vez de um jeito mais intenso.

“Esse momento eu vou guardar para sempre: ele me abraçou forte e disse, ‘obrigado Day por ter feito meu filme. Eu amei’. Nessa hora eu senti que tinha o selo de aprovação dele e aquilo era o que eu precisava, era melhor do que qualquer avaliação de professor, de apaluso de plateia”.

O curta tem interpretação em libras, áudiodescrição para deficientes visuais, legenda em Português e em Inglês e pode ser assistido abaixo. Na página Mohamed, está todo material do curta, além das notícias de exposições do jovem astro.

 

Por: Paula Maciulevicius

Texto publicado originalmente no Campo Grande News em 30/12/2015

Foto: Reprodução