Desconfio que todo pai de uma criança com síndrome de Down encare sua nova vida com uma história – uma narrativa. Para alguns de nós, é uma tragédia; para outros, uma dádiva; e ainda para outros são as duas coisas. Há quem acredite que o filho (ou a filha) com a síndrome é fruto de um mero acaso ou do azar de um “erro” genético. Mas há quem acredite que essa nova vida é a de um mensageiro, que aponta para um destino que já está traçado e é feito de aprendizado e superação. Tristeza e felicidade estão sempre presentes: muitas vezes juntas; tantas vezes misturadas.
Meu filho, Vito, tem 6 anos e síndrome de Down. Quando ele nasceu, confirmei uma certeza e formei outra – que ele tinha a síndrome e que minha vida havia chegado a um fim, do qual brotaria um novo começo. Foi na décima-segunda semana da gravidez que minha esposa e eu recebemos o primeiro diagnóstico da possível síndrome de Down. Quatro semanas depois, repetimos o exame e a probabilidade diminuiu, embora continuasse alta. Minha esposa encarou essa evolução com otimismo (“ele não tem nada!”); eu a encarei com ceticismo (“ele tem alguma coisa”). Assim, a chegada do Vito nos conduziu, no início, a dois caminhos: ela pelo do choque e depressão; eu pelo da resignação e aceitação.
Daquela manhã até hoje, muita água correu para o mar e nossos caminhos voltaram a se encontrar. Nesse tempo, o Vito cresceu, se desenvolveu e brilhou. Nos cobriu de luz. Abriu nossos olhos e nossos corações. Nos ensinou a lutar, a compreender e a amar. Até hoje, lembro quando saí à rua pela primeira vez após seu nascimento e enxerguei tantas pessoas com deficiência que, para mim, até então, eram como se fossem invisíveis. Esse foi o primeiro de muitos preconceitos que o Vito me ajudou a derrotar.
Nesses seis anos, fizemos muitas descobertas. Descobrimos tudo o que ele pode fazer, com e sem o nosso apoio. E descobrimos, também, que, além da síndrome de Down, o Vito tem outras duas deficiências, uma que identificamos (Apraxia da Fala) e outra que ainda é desconhecida (Ambliopia). Cada pequeno passo dele foi comemorado com a intensidade de uma vitória olímpica – com muito riso e muito choro de alegria. Foi assim quando ele rolou, quando sentou, quando andou, quando comeu e quando foi para a escola pela primeira vez. Já cada nova deficiência e cada limitação da síndrome foi sentida como uma morte – muitas vezes com raiva e luto, mas também com renascimento.
Quando penso no que é viver com essa mistura e essa intensidade de tristeza e felicidade, lembro de uma antiga história indiana. Nela, Deus um dia encarnou como homem para aconselhar um guerreiro, que vivia o dilema de ter que lutar contra seus próprios familiares e amigos. O guerreiro teria a felicidade da vitória, mas também a tristeza da batalha. Naquele momento de dúvida, Deus explicou como a vida é inevitável e que ao guerreiro só caberia cumprir sua missão, que era guerrear. Ao afirmar isso, revelou sua verdadeira identidade. O guerreiro, então, pediu a Deus que se mostrasse como ele era, sem disfarces – e assim ele o viu, como o brilho de mil sóis.
Ser pai do Vito é viver sob esse brilho. Há momentos em que a luz dessa vida arde, queima e dói. Há outros, que são cada vez mais frequentes, em que ela aquece o coração, conforta e transborda felicidade.
Nesse dia, desejo a cada pai, de cada filho e cada filha com síndrome de Down, que possa olhar para seu guerreiro e, em paz com a inevitabilidade da deficiência, possa deixar-se banhar por essas vidas, verdadeiramente divinas e que brilham mais do que mil sóis.
Feliz dia dos pais!
Diego Bonomo é pai de Vito, de 6 anos, e de Lara, de 4 anos. Diego é gerente executivo de comércio exterior da Confederação Nacional da Indústria – CNI e um grande apoiador do Movimento Down desde a sua fundação.
Foto: arquivo pessoal