Especialistas afirmam que suplementação de vitaminas antioxidantes é benéfica para pessoas com síndrome de Down

Danilo_Wilhelm_filho

Em 2015, foi publicado pelo volume de número 45 da Revista Científica Research in Devemopmental Disabilities ( Research in Developmental Disabilities October–November 2015, Vol.45:14–20, doi:10.1016/j.ridd.2015.07.010) o resultado de estudo clínico sobre a ação de vitaminas antioxidantes associadas, em crianças e jovens com síndrome de Down. Eis o link para a publicação: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0891422215000852?np=y

O estudo clínico, realizado por sete pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina, Eduardo Benedetti Parisotto e Danilo Wilhelm Filho, do Departamento de Ecologia e Zoologia; Andréia Gonçalves Giaretta e Emilia Addison Machado Moreira, do Departamento de Nutrição; Ariane Zamoner e Rozangela Curi Pedrosa, do Departamento de Bioquímica e Tânia Silvia Fröde, do Departamento de Análises Clínicas, que investigaram os efeitos antixoxidantes da terapia de suplementação de vitaminas C e E em 39 crianças (21 com síndrome de Down e 18 sem a síndrome, no grupo controle) a partir da análise de biomarcadores de inflamação e estresse oxidativo no sangue, constatou que “a intervenção antioxidante atenuou persistentemente o dano oxidativo sistêmico em pacientes com síndrome de Down, mesmo após um período relativamente longo de cessação da intervenção antioxidante” (trecho entre aspas extraído do Abatract da publicação).

Seguindo a preocupação do Movimento Down em atualizar as informações sobre a suplementação na síndrome de Down resultantes de estudos clínicos com pessoas com síndrome de Down, ou resultantes de pesquisas translacionais publicadas em revistas científicas de alto impacto, o que motivou as recentes entrevistas sobre a suplementação de EGCG com a Dra. Rosa Anna Vacca e com o Dr. De La Torre (links ao final), a Conselheira e o Consultor do Movimento Down, Gisele Fontes e Rogério Lima, conversaram com o Dr. Danilo Wilhelm Filho sobre este e outros assuntos, como as novas pesquisas que desenvolve sobre a síndrome de Down.
1. Este é um dos poucos estudos clínicos realizados no Brasil com pessoas com síndrome de Down. O que motivou sua equipe a realizá-lo?
R: Após nosso grupo verificar, em anos recentes, a eficácia do uso combinado das vitaminas nutricionais (E e C, importantes antioxidantes não-enzimáticos que a maioria dos organismos obtém da dieta), durante 6 meses, em pacientes de patologias crônicas como os chagásicos com cardiopatia crônica, portadores de hepatite C, além de trabalhadores expostos a contaminantes derivados de atividades ocupacionais (mineração e queima de carvão e de incineradores de lixo hospitalar), mesmo após a interrupção por igual período, decidimos também abranger crianças e pré-adolescentes com SD. A principal motivação reside principalmente na incidência mundialmente crescente desta síndrome (prevalência atual da SD entre de 1/650 a 1/1000 nascimentos em todo o mundo, dados OMS 2012). Adicionalmente, a inserção social de pacientes com síndrome de Down no país, notadamente nas últimas duas décadas, têm proporcionado melhor qualidade de vida aos mesmos, em todos os sentidos. Com o conseqüente aumento da longevidade destes pacientes, seria clinicamente importante tentar minimizar os efeitos deletérios associados ao chamado estresse oxidativo (EO), condição inerente à síndrome.

2. Quais as principais consequências, para as pessoas com síndrome de Down, do estresse oxidativo causado pelo cromossomo extra?
R: A grande maioria (aproximadamente 95%) dos casos de SD possui um cromossomo 21 extra, isto é apresentam 47 cromossomos ao invés de 46 cromossomos (os 5% restantes advém de outras anormalidades cromossômicas). Como conseqüência disso, em todas as células dos pacientes com SD há um aumento de 50% da atividade da enzima antioxidante Cu/Zn SOD (superóxido dismutase citosólica), a qual dismuta o chamado ânion superóxido (O2●-, um radical livre do oxigênio) em O2 e H2O2 (peróxido de hidrogênio), e este último, por sua vez, é metabolizado pelas enzimas catalase (CAT) e glutationa peroxidase (GPx). Este aumento na expressão da SOD deve-se ao fato do gene que a codifica estar localizado na região 21q22 do cromossomo 21. Assim sendo, a célula SD possui excesso da enzima SOD relativamente à capacidade das enzimas CAT e GPx de metabolizar o excesso de peróxido de hidrogênio, decorrendo deste desequilíbrio crônico (EO), um acúmulo de H2O2 intracelular.
Os reflexos deletérios deste EO nos pacientes com SD são variados, mas geralmente apresentam déficits cognitivo e psicomotor, além de múltiplas malformações, diminuição da longevidade, entre outros. O dano oxidativo relacionado com o desequilíbrio redox (EO) é generalizado, mas ocorre principalmente em moléculas biologicamente importantes, como o DNA, proteínas, lipídeos, aminoácidos e carboidratos, alterando suas funções, incluindo danos às membranas celulares e de organelas. Quando o organismo não tem condições de reverter este desequilíbrio, como nas condições crônicas (caso da SD), ou patologias envolvendo processos inflamatórios (um dos aspectos positivos dos oxiradicais, incluindo o combate a patógenos) persistentes, favorece o surgimento de processos carcinogênicos, envelhecimento precoce, e centenas de doenças vinculadas ao sistema circulatório, respiratório, neuroendócrino, urogenital, etc.

3. Todas as pessoas com síndrome de Down têm estresse oxidativo?
R: Sim! Porque a síndrome de Down implica, conforme descrito acima, numa condição crônica deste desequilíbrio. Daí decorre o benefício, e eu diria também, a necessidade, de uma intervenção antioxidante, de preferência utilizando o enorme arsenal, de origem natural ou mesmo sintética, de substâncias fitoterápicas/nutracêuticas (vide as entrevistas anteriores com os Drs. Vacca e De La Torre) que estão presentes neste tipo de suplementação e/ou na própria dieta. Penso e recomendo esta suplementação à população sem síndrome é não acometida por doenças crônicas, pelos diversos aspectos aqui mencionados.

4. O estresse oxidativo teria alguma relação com a neurodegeneração e o aumento da incidência da doença de Alzheimer nas pessoas com síndrome de Down?
R: Infelizmente sim, devido à ubiqüidade de efeito deletério associado aos radicais livres (melhor usar o termo “espécies reativas”, tanto de oxigênio como de nitrogênio), ou seja, estas espécies são reativas contra qualquer tipo de molécula existente nos organismos, incluindo o sistema nervoso. Destarte, os pacientes com SD irão também desenvolver, em comum, substâncias e estruturas que caracterizam os processos neurodegenerativos da doença de Alzheimer (chamadas de alterações neuromorfológicas), como os emaranhados neurofibrilares (contendo a proteína Tau) e placas senis (contendo a substância β-amilóide). O EO também está vinculado a doenças neurodegenerativas como Parkinson, Ataxia de Friedreich, Esclerose Múltipla e Esclerose lateral amiotrófica, entre outras.

5. Como a terapia com vitamina ajuda no combate ao estresse oxidativo na síndrome de Down?
R: Como o organismo do paciente com SD tem este compromentimento crônico (excesso de produção intracelular de peróxido de hidrogênio), e sem ter condições endógenas de contrapor este desequilíbrio (i.e., via catálise da CAT e GPx, baixos níveis de GSH, etc.), estas vitaminas antioxidantes (ou polifenóis, ou via suplementação com NAC, vide abaixo última questão), vêm “socorrer” e contrabalancear este desequilíbrio, melhorando o quadro de estresse oxidativo. Não somente vem combater diretamente o excesso de radicais, mas impedem ou restringem as reações oxidativas em cadeia, diminuindo danos às membranas celulares, entre outros benefícios.

6. É possível afirmar que, a partir dos resultados deste estudo clínico, todas as pessoas com síndrome de Down se beneficiariam da terapia de reposição de vitaminas?
R: Sim, no meu entender, sem nenhuma dúvida. É importante salientar que uma dieta bem balanceada permite a manutenção do equilíbrio redox em um organismo saudável (vide a dieta mediterrânea e diversos outros exemplos congêneres). Entretanto, pacientes com diferentes tipos de patologias, ou com SD, nas quais esteja bem caracterizado o EO (e são muitas, centenas já descritas na literatura pertinente!), ou trabalhadores que estejam expostos a diferentes contaminantes ambientais (presentes no ar, água, solo, alimentos, radiações, etc.), deveriam ser suplementados, até em termos de prevenção, o que o nosso grupo já demonstrou em exposições ocupacionais (mineração e queima de carvão mineral, incineração de lixo hospitalar), incluindo a contaminação das populações de cidades próximas a estas atividades. Também deve ser levando em conta que, no processamento a armazenamento industrial dos alimentos em geral, mesmo aqueles considerados “integrais”, a maior parte destes componentes vitamínicos é retirada ou perdida, inclusive a baixa absorção da vitamina E (em torno de 20%, quando acompanhada de alimento contendo alguma gordura, porque ela é lipossolúvel).

7. Quais os pontos do estudo clínico o Senhor destacaria como os mais relevantes?
R: Em termos bioquímicos, ter alcançado, após 6 meses de suplementação com as vitaminas E e C (E: 400 mg/dia, C: 500 mg/dia, sempre junto a qualquer refeição, pela melhor absorção intestinal da vitamina E), uma compensação na atividade da SOD (antes 47% aumentada, aspecto causador do EO na SD; após a intervenção vitamínica 46% diminuída, estatisticamente igual aos controles; o valor esperado seria 50% nos dois casos), enquanto as enzimas CAT e GPx diminuíram suas atividades, com provável recuo das concentrações de H2O2 intracelular. Adicionalmente, os chamados marcadores de dano oxidativo (dano às proteínas e lipídeos) também recuaram comparativamente à fase prévia à suplementação. Um aspecto notório neste e nos demais estudos realizados por nosso grupo, consiste na relativa manutenção do efeito da suplementação, mesmo após 6 meses de interrupção desta intervenção, caracterizando a persistência a longo prazo da mesma.
É importante também salientar que as doses utilizadas de ambas as vitaminas, em todos nossos estudos são seguras, e que, relativamente às vitaminas empregadas (E e C), mesmo megadoses demonstraram ser seguras em indivíduos saudáveis, exceção a raros casos de algumas patologias (renais e cardiovasculares), como contra-indicação ao seu uso.

8. Há perspectiva de novos estudos sobre o tema?
R: Sim. Atualmente estamos iniciando a suplementação com a NAC (N-actil cisteína), um precursor da GSH (glutationa na forma reduzida), o antioxidante não-enzimático mais abundante e em maior concentração (sempre em torno milimolar) em todos organismos aeróbios até agora estudados. Este pequeno tiol endógeno é, sem sombra de dúvidas, extremamente importante em termos de equilíbrio redox (balanço entre antioxidantes/oxidantes) tanto em condições fisiológicas “normais”, como em eventos de estresse oxidativo relacionados com atividades fisiológicas (exercício, reprodução, sazonalidade, etc.), e patologias. Além da NAC suplementada isoladamente, iremos avaliar seu uso combinado com as vitaminas nutricionais (E e C), outros importantes antioxidantes não-enzimáticos.
Acredito que, assim como outras pesquisas (entre as quais as dos Drs. Vacca e De La Torre veiculadas em entrevistas anteriores) já demonstraram o efeito benéfico de suplementação com fitoterápicos/nutracêuticos (notadamente os diferentes polifenóis) e/ou demais antioxidantes, é muito provável que outros estudos congêneres venham igualmente mostrar benefício às pessoas com SD, porque elas vêm exatamente contrabalançar o Estresse Oxidativo crônico derivado do desequilíbrio redox promovido pela SD, independente da especificidade deste desequilíbrio nos pacientes SD (trissomia 21, a mais comum causa da SD, ou outras anomalias relacionadas).
E, sobretudo, se a detecção da SD ocorrer precocemente, ainda na vida intra-uterina, este benefício inerente à suplementação antioxidante certamente será mais eficiente, conforme já foi demonstrado em embriões e fetos de camundongos Ts65Dn (modelo murino da SD), minimizando os efeitos deletérios do Estresse Oxidativo no início da formação do sistema nervoso central e sua consequências na cognição da SD, provavelmente o aspecto mais importante desta doença. Este tipo de projeto fez parte de nosso grupo, mas infelizmente não pode ser levado a termo, notadamente pela logística necessária (colaboração com diversos centros e clínicas de distintas cidades do país, consentimento das mães pós-diagnóstico, envio de amostras, etc.), a qual à época, não estava assegurada. Apesar disso, o mesmo deveria futuramente ser conduzido a termo, por algum outro grupo, na expectativa de minimizar os problemas cognitivos e demais aspectos que envolvem a síndrome. E lembrando e reforçando o conceito de que este tipo de intervenção continuaria envolvendo apenas suplementos nutricionais em doses consideradas seguras, tanto para a gestante como para o feto.

(Podemos acompanhar a pesquisa citada Leo Dr. Danilo, iniciada em janeiro de 2017, através deste link: https://www.researchgate.net/project/ANTIOXIDANT-INTERVENTION-WITH-N-ACETIL-CISTEIN-ON-THE-OXIDATIVE-STRESS-IN-CHILDREN-WITH-DOWN-SYNDROME )

Veja também:

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