Escotismo e a Inclusão de Crianças e Jovens com Deficiência

Rodrigo (3)Rodrigo (10) Rodrigo (11) meninos fazendo atividade em parque. uns com a perna aberto e outros passam por baixo das pernas. vestidos de escoteiros. Rodrigo (13) Rodrigo (14)Rodrigo EducAcao Escoteira 2017 (1) Rodrigo

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Por Carmen Barreira

No Brasil, alguns Grupos Escoteiros, têm recebido em suas fileiras crianças e jovens com deficiência, principalmente parentes de integrantes do Movimento Escoteiro. Contando com a boa vontade dos Escotistas, Dirigentes e dos membros jovens, esses meninos e meninas são recebidos com entusiasmo, mas logo tanto os adultos como as crianças, os adolescentes e os jovens sentem o peso da falta de conhecimento para lidar com pessoas com deficiência. Outros Grupos ou Seções de Grupos Escoteiros tentam atuar junto a entidades de assistência a pessoas com deficiência. Nesse caso, trata-se de promover periodicamente atividades conjuntas entre escoteiros e as crianças atendidas por essas instituições, que na verdade são “atividades especiais”, estanques e periódicas. Em outras palavras, essas “atividades especiais”, apesar de instantaneamente compensadoras, não estão inseridas em um programa educativo que contemple o potencial de cada criança ou jovem nas seis áreas de desenvolvimento (física, afetiva, caráter, espiritual, intelectual e social) preconizadas pelo Movimento Escoteiro, assim como não estabelece metas nem realiza avaliações com as próprias crianças. Na maioria dos casos, a falta de conhecimento das deficiências – sua etiologia, manifestações, limitações e possibilidades de tratamento – assim como a falta de preparo e apoio institucional dos Escoteiros, resultam em desânimo de ambas as partes e a consequente cessação das ações.

Mas, mesmo com tantas dificuldades, podemos citar como exemplos do esforço individual de Grupos Escoteiros, a experiência do Grupo Escoteiro Cruzeiro do Sul (49o/SP) na cidade de São Paulo, que, em parceria com a AACD, promoveu, entre os anos 1963 e 1975, a integração de crianças com deficiência às Alcateias do Grupo.

Em 1998, Seniores e Pioneiros dos Grupos Escoteiros Marechal Rondon (108o/RS) e Léo Borges Fortes (80o/RS), no Estado do Rio Grande do Sul, assumiram a primeira atividade do Projeto Basta Passar a Ponte. Trata-se de projeto desenvolvido pela Federação dos Escoteiros Católicos da Bélgica, traduzido e adaptado para as condições brasileiras por uma equipe de líderes e jovens líderes desses Grupos Escoteiros. Desde então, outros 11 Grupos Escoteiros do Rio Grande do Sul e um do Paraná engajaram-se ao Projeto, que envolve também 9 instituições de ensino do Rio Grande do Sul. O Projeto, tinha por objetivo “criar as condições necessárias para que, através da capacitação, divulgação e atividades, os Grupos Escoteiros consigam acolher com maturidade e segurança,  pessoas com deficiências, na busca de uma efetiva integração social” tem crescido e produzido alguma repercussão, principalmente no Rio Grande do Sul e tem encontrado boa receptividade por parte dos Escoteiros do Brasil.

Nos anos de 2010 e 2011, no Grupo Escoteiro Caio Martins, em Brasília – DF, o escotista João Henrique Rosa Ortiz, aplicou um Projeto de Inclusão, como Chefe da Tropa Escoteira (com jovens de 11 a 14 anos) integrando dois jovens escoteiros com deficiência intelectual moderada e grave e nos mandou o seguinte depoimento: “Durante a aplicação do projeto na Tropa Phoenix, seção onde atuo como chefe escoteiro, tive a oportunidade de vivenciar momentos únicos de aprendizagem ao interagir com os escoteiros –com deficiência integrantes da Tropa. Cada jogo aplicado, necessitava de adaptação para que acontecesse a inclusão, e em alguns momentos não foi possível. Em atividades, onde o nível de dificuldade não se apresentava compatível ao jovem, o mesmo participava da organização, acompanhando a chefia, sendo estimulado a realizar as tarefas, valorizando cada ação realizada por ele. O ambiente desenvolvido para o acolhimento entre os patrulheiros, sempre foi positivo e respeitoso. Os demais escoteiros compreendem a necessidade de colaborar, aceitar e respeitar as limitações. A avalição de cada jovem difere, tendo em vista o nível de entendimento. O jovem com entendimento maior, tem conseguido acompanhar a progressão pessoal, necessitando de um tempo maior para a compreensão, mas tem seguido todos os itens da progressão nos Guias, conquistado especialidades, cordões, inclusive desempenhado o cargo de liderança. O jovem com comprometimento maior é atendido de forma mais criteriosa, passo a passo e ao longo do ano, com os trabalhos referentes à compreensão da Promessa e no mês de setembro de 2011, realizou a sua Promessa Escoteira. No caso desse jovem, para a progressão, são observados a sua pré-disposição para determinado conhecimento e desenvolvido o trabalho direcionado, como aconteceu na Promessa. A presença da família nesse caso é de fundamental importância, pois a mesma é quem nos auxilia e nos dá o retorno do que tem sido assimilado pelo jovem. Com relação à técnica escoteira, assimila perfeitamente o hasteamento e arreamento da bandeira, vozes de comando, formação na sua patrulha e participação em cerimônias”.

No Grupo Escoteiro Marechal Rondon, de Brasília – DF, desde de 2007, o Rodrigo Vieira, que tem síndrome de Down, começou como lobinho (com 10 anos) e hoje faz parte da Tropa Sênior (jovens de 15 a 17 anos).

Depoimento do responsável pela Tropa Sênior, Wendell Fabricio: “Na comemoração do Dia da Família 2017, Rodrigo pegou o microfone e quis fazer uma surpresa. Fez uma homenagem para a mãe dele. Falou que não estaria ali sem ela e que a amava. E falou mais coisas sobre ela e sobre seus cuidados com ele. Na Tropa Sênior o Rodrigo é bem aceito na patrulha Guararapes. Os jovens procuram integrá-lo bastante e ele participa da maioria dos jogos, embora de forma mais superficial. Ele não gosta de jogos com contato físico e normalmente fica junto à chefia. O processo de interação dele com os demais escoteiros é de certa forma complexo e requer apoio de todos os membros do Grupo. O pai dele tem sido parte fundamental nesse sentido, porque o leva sempre ao Grupo e procura incentivá-lo o tempo todo a participar das atividades. Ele gosta de estar junto da Tropa, mas não é muito participativo nas decisões. Por isso, torna-se um desafio constante colocá-lo atuante no sistema de patrulhas. Como ele ainda não usa o Whatsapp e não costuma participar das reuniões de patrulha, a chefia precisa estar atenta e se comunicar com os pais do Rodrigo para que ele não deixe de participar de alguma atividade ou reunião. Ele é bastante carinhoso. Fica feliz quando recebe uma tarefa da chefia e se sente valorizado. Em uma das atividades ele ficou responsável, em determinado momento, por lembrar da prancheta do chefe nas mudanças de local. Foi uma estratégia usada para integrá-lo e mantê-lo por perto durante momentos em que ele não queria participar diretamente dos jogos. Ele demonstra o maior orgulho em conduzir o hasteamento ou arriamento da bandeira nacional. Acho sua inclusão de grande valia não apenas para ele próprio, mas para todos os integrantes do grupo que compartilham essa responsabilidade. Consigo perceber que todos ficam muito felizes em poder auxiliá-lo a praticar o escotismo, apesar das dificuldades”.

Depoimento do Diretor de Métodos Educativos do Grupo Escoteiro Marechal Rondon – 4º DF, Rudinei dos Santos, sobre o Rodrigo: “O Rodrigo é um escoteiro maravilhoso que temos a honra de ter em nosso Grupo. Ele sempre me encontra e me abraça quando me encontra no Grupo, transmitindo uma ternura tão grande que me faz questionar por que todos nós não somos assim dedicados como ele nas demonstrações de carinho? Se temos que nos esforçar bastante para que ele tenha a experiência mais completa possível no movimento, essa nossa dedicação é sempre recompensada pela satisfação de ver seu sorriso orgulhoso de ser escoteiro. A atitude de seu pai, em particular, é realmente um exemplo marcante para os pais dos demais membros juvenis. Ele é presente na vida escoteira do Rodrigo.”

Entendemos que para melhorar todo esse sistema de recepção e manutenção de crianças, adolescentes e jovens com deficiência, a União dos Escoteiros do Brasil necessita de mais apoio, divulgação e recursos financeiros a fim de formar e manter adultos voluntários escoteiros interessados e com conhecimento específico para trabalhar o método escoteiro com este público. Consideramos essencial, também, trazer o tema da pessoa com deficiência à tona com objetivo de esclarecer sobre o assunto e dar fim ao preconceito causado muitas vezes pela falta de informação.

Sobre o Escotismo

O Escotismo foi fundado em 1907, na Inglaterra, por Baden-Powell, é um movimento educacional de crianças, adolescentes e jovens que conta com a colaboração de adultos, valoriza a participação de todas as origens sociais, raças e credos e se configura como a maior organização mundial de voluntariado em prol da educação. Sua principal característica é se tratar de um movimento que envolve as famílias em seu dia a dia.

A União dos Escoteiros do Brasil foi criada em 1924, é uma associação sem fins lucrativos que desenvolve trabalhos de educação continuada de crianças e jovens, valorizando o equilíbrio ambiental e o desenvolvimento social na formação de cidadãos conscientes e atuantes. Os Escoteiros do Brasil estão presentes em quase 700 cidades brasileiras, somando um total de 1.300 Grupos Escoteiros. Unidos a um Movimento com cerca de 40 milhões de pessoas no mundo, em mais de 216 países e territórios, a organização é reconhecida como de utilidade pública por meio do Decreto Federal no 3.297/17 e como instituição de educação extra-escolar pela Lei no. 8.828/46. Nos últimos 12 anos, nosso movimento cresceu cerca de 45%, alcançando todos os estados brasileiros.

O objetivo da União dos Escoteiros do Brasil é contribuir para que as crianças, adolescentes e os jovens assumam seu próprio desenvolvimento, ajudando-os a realizar suas plenas potencialidades físicas, intelectuais, sociais, afetivas e espirituais, como cidadãos responsáveis, participantes e úteis em suas comunidades, promovendo a educação de crianças, adolescentes e jovens na faixa etária de 6,5 a 21 anos, ajudando-os a se realizarem como indivíduos, desempenhando papel construtivo na sociedade.

Escotista – adulto ou jovem, maior de idade, que assume tarefas que correspondem ao educador adulto em uma seção de um Grupo Escoteiro.

Alcateia – Seção de um Grupo Escoteiro que trabalha com crianças de 6,5 a 10 anos.

Projeto Basta Passar a Ponte – www.escoteiros.org , União dos Escoteiros do Brasil.

Para saber de grupos de escoteiros perto de você, entre em contato com o escritório da sua região:

http://www.escoteiros.org.br/contato/ 

Carmen Barreira – Diretora Presidente do Grupo Escoteiro Marechal Rondon 4. DF