Aprendendo por inteiro

Por Patricia Almeida

 

Não sou professora, mas como mãe de uma adolescente com síndrome de Down, desde que ela nasceu me interesso muito por educação e especialmente por alfabetização.

 

capa do livro whole child learning p rapaz lendo.

 

Um dos melhores livros que já li sobre o assunto é Criança aprendendo por inteiro (Whole child learning), de Natalie Hale. Natalie é mãe de um rapaz com síndrome de Down e já foi professora de dezenas de alunos com diferentes tipos de dificuldade de aprendizagem. As dicas dela não só são práticas e fáceis de fazer, mas fazem muito sentido. Para qualquer pessoa.

 

Vou compartilhar algumas das que mais me pareceram úteis, mas recomendo fortemente que comprem o livro e visitem o site dela, Special Reads.

 

http://specialreads.com/ds-parenting-siblings-money-management-for-teens/whole-child-reading/

 

Dicas de Natalie Hale:

 

  • Nunca é tarde para aprender
  • Ser não-verbal (não falar) não é impedimento para ler
  • Atenção ao tamanho da tarefa – que seja viável
  • Frequência – nem que sejam 5 minutos, duas vezes por dia
  • Duração – o tempo que for possível

 

O segredo de ensinar é “entrar pelo coração”. Ou sejam explorar os interesses do aluno.

 

Mas como fazê-lo?

 

Livros pessoais

 

Livros feitos em casa sobre as coisas que o estudante mais gosta na vida. Você deve criar os livros junto com cartões com as palavras que estão na história e o aluno ainda não conhece.

 

Pode ser sobre qualquer tema, um personagem de desenho animado, pessoas de quem o aluno goste, seu animal de estimação, música, comida… Por exemplo, se a criança é obcecada pelo tablet, você pode fazer uma história contando como ela adora brincar com o tablet. Até uma ida ao hospital pode virar uma história.

 

Outro tipo de livro muito útil são os que relatam histórias sociais. Nessas histórias os alunos aprendem sobre novas experiências ou situações difíceis da vida, como uma ida ao dentista, ao cabeleireiro, mudança de escola ou até a morte de um parente.

 

Mas como devem ser esses livros?

 

1 – Tema muito interessante para o leitor

2 – Figuras (ou fotos) do próprio leitor (comendo, jogando, de acordo com o tópico escolhido), ou outras que sejam interessantes para ele

3 – Tipo de letra grande, entre 32 e 130 pontos, dependendo do nível de leitura

 

Letra (32)

Letra(130)

4 – Tipo de letra – Fonte sans serif (reta, sem “voltinhas”)  – uma boa é Tahoma

5 – Caixa alta e baixa (letra maiúscula e minúscula, como nos livros)

6 – Espaço duplo ou até triplo entre uma letra e outra

7 – Espaço duplo entre uma linha e outra

8 – As páginas da esquerda ficam em branco

9 – Texto sozinho na página direita

10 – O mesmo texto é repetido na página seguinte com a figura/foto correspondente

11 – O folha é em formato de paisagem

12 – Na última página escreve-se Fim

 

Cartões com palavras (Flashcards)

 

Depois de decidir o tópico do livro, escreva o texto e escolha de 5 a 7 palavras interessantes para a criança que aparecem na história. Por exemplo, se o livro é sobre Frozen, escolha: Elsa, Anna, mágica, Olaf, irmãs, neve e Frozen. Além disso, escolha de 7 a 9 palavras que aparecem com frequência na história, como: é, amor, tem, são, brinca, é, eu, com, etc.

 

Os cartões devem ser de cartolina mais dura (ou fichas de apresentação) tamanho A5, e as letras vermelhas. Escreva à mão, com letra pequena, num canto, a palavra do outro lado da palavra impressa para que você saiba qual é quando for virar cada um, quando mostrar  para seu filho.

 

Você vai virar o cartão na frente da criança ao mesmo tempo que fala fala a palavra escrita. Isso deve ser rápido, 2 cartões em 1 segundo, ou um a cada 0,7 segundos, em grupos de 5 a 7 cartões (um dois ou três grupos). Dois cartões de alto interesse misturado com 3 cartões de alta frequência em cada grupo. Não é para a criança ler!

 

Como se tivesse tirando cartas de um baralho, desvire o cartão e bata na mesa na frente da criança ao mesmo tempo que fala o nome da palavra. Repita 3 vezes (isso não deve levar mais de 15’. Quando a criança tiver aprendido a ler a palavra, os cartões correspondentes devem ser removidos do grupo e novas palavras adicionadas.  

 

A criança não repete a palavra porque o objetivo aqui é ela olhar, escutar e absorver. Não se trata de um teste. O teste é outra atividade. Ensinar não é testar. O objetivo é que a aprendizagem seja prazerosa e interessante para a criança.

 

Atenção: o livro criado deve ser apropriado para a idade do leitor! O que pode ser perfeito para uma criança de seis anos não vai funcionar para um homem de 27 anos! Mas o nível de leitura não está ligado à idade. O tamanho da letra, das frases e o número de páginas vai variar de acordo com o nível de leitura.

 

Um exemplo de livro

 

Capa – Frozen (imagem Frozen)

Pag 1 – Eu adoro a Frozen.

Pag 3 – Eu adoro a Frozen (imagem da Frozen acima do texto)

Pag 5 – A Frozen é divertida.

Pag 7 – A Frozen é divertida (com imagem)

Pag 9 – Anna e Elsa são irmãs.

Pag 11 – Anna e Elsa são irmãs (com imagem)

Pag 13 – Elas fazem mágica de gelo.

Pag 15 – Elas fazem mágica de gelo (com imagem)

Pag 17 – Elsa fez o Olaf.

Pag 19 – Elsa fez o Olaf (com imagem)

Pag 21 – Anna brinca com Olaf.

Pag 23 – Anna brinca com Olaf (com imagem)

Pag 25 – Anna e Elsa e Olaf se divertem.

Pag 27 – Anna e Elsa e Olaf se divertem (com imagem)

Pag 29 – Eu adoro a Frozen!

Pag 31 – Eu adoro a Frozen! (com imagem)

Pag 33 – Fim.

 

Você pode usar fotos da internet, de revistas ou que você tirou do seu filho com o celular. Essas são as fotos que mais motivam os leitores!

 

Imprima o livro. Não use negrito. Você pode plastificar ou colocar o livro em plásticos porta documentos. Fure e coloque argolas ou outro acabamento que deixe as páginas fáceis de virar.

dois exemplos de pagina I live ice cream escrito em uma e I love ice cream escrito na próxima, com imagem de sorvete.

 

 

Lendo o livro

 

Quando ler o livro, sente-se de frente para a criança (você vai ver o livro de cabeça para baixo).

Ela deve usar um lápis com uma ponta de borracha, e você outro. Você pode comprar pontas coloridas ou de diferentes formas e deixar ele escolher. esta também é uma boa forma de evitar dar comandos negativos (ex: não é essa palavra!). Basta apontar para o aluno retomar a leitura. A ponta também serve para manter mãos inquietas ocupadas. Além disso, ela ajuda que a criança não fique com o rosto enfiado no livro, como quando usam o dedo para apontar as palavras. O método também melhora a postura.

 

menina lendo o livro acompanhando o texto com ponta do lapis e ao lado acompanhando com o dedo , debrucada sobre o livro.

Outra recomendação é evitar luz fria. Para alunos com autismo, inclusive, sugere-se que a intensidade da luz seja diminuída.

 

Uma dica que as crianças gostam é apagar a luz e ler iluminando as palavras com uma caneta/lanterna.

 

Natalie sugere ainda exercícios de coordenação antes de começar a aula, como nos livros Brain Gym ( ex: https://youtu.be/VL4an7UC3wA) and me ou Super Brain Yoga (ex: https://youtu.be/d8uDl0_T5QI) . Sugere também jogos de memória.

 

Outra dica interessante é comprar livros baratos e do interesse da criança no jornaleiro ou supermercado e adaptar o texto para seu nível – menos frases, letras maiores, e colar com um adesivo no lugar do texto original.

 

Texto muito longo

 

imagem de porco e texto grande.

 

 

imagem de porco e texto curto.

 

 

foto de duas meninas fazendo bolo e texto grande.

 

 

 

foto de duas meninas fazendo bolo e texto curto.

 

 

 

Método Sanduíche

 

Suprima todas as distrações possíveis – TV, outras pessoas, luzes, barulhos.

 

Apresente os cartões rapidamente.

 

Depois, leia o livro com a criança. No começo você lê, depois, conforme ela for aprendendo as palavras ela lê. Para a criança que não fala, ela pode sinalizar ou ler a palavra de forma aproximada. A maneira como ela diz a palavra não importa. O que interessa é que o jeito dela dizer aquela palavra seja consistente, que o som represente realmente aquela palavra.

 

Depois apresente os cartões relativos ao livro novamente.

 

Quando a criança já aprendeu a ler 90% deste livro, está na hora de criar um novo. Você pode repetir algum vocabulário que ela ainda não conseguiu ler no livro anterior neste novo livro.

 

Não interrompa o leitor para consertar uma palavra. Quando interrompido, ele pode perder o sentido da frase. Anote as palavras onde houve dificuldade e trabalhe-as depois.

 

Diga para ele ler a frase alto duas vezes, e depois uma terceira para ele próprio, para dar chance a ele de internalizar o que foi lido.

 

Diga para ele colocar uma interrogação nas passagens que não compreendeu.

 

Use Post-it para escrever perguntas sobre uma passagem do texto.

 

Com leitores iniciantes, faça um passeio pelas imagens antes de ler o livro, imaginando a história pelas figuras. Ele pode ir falando ou você, conforme o caso.

 

Faça perguntas bobas ou absurdas sobre o livro. Isso sempre chama a atenção das crianças.

 

Importante

 

  • As crianças com deficiência intelectual devem aprender primeiro os sons das palavras, e não os seus nomes.

 

  • Pesquisas mostram que se adquire mais lendo de livros impressos do que na tela.

 

  • Livros com símbolos que substituem palavras não são recomendados. Eles confundem e atrapalham a aprendizagem.

 

  • Na interpretação de texto, coloque códigos de cores nas palavras de perguntas

 

Onde

Como

Quando

Quem

Por que

 

Assim fica mais fácil de associar.

 

Adaptação de material didático

 

1 – Pergunte à professora qual o objetivo mínimo de aprendizagem (mas não fique só nele caso a criança tenha mais interesse)

2 – A adaptação tem que estar de acordo com a habilidade de aprendizado de cada criança

 

  1. a) reescreva o texto em uma versão concisa e simplificada
  2. b) formule perguntas para cada um dos diferentes pontos do objetivo de aprendizagem
  3. c) auxilie a criança a achar resposta para as perguntas relativas a cada trecho que você reescreveu
  4. d) se você é um familiar, mande o material para a professora da escola. A adaptação não deve apenas ser aceita, mas muito comemorada pela professora! Com o tempo, ela própria ou a auxiliar pode aprender a fazer adaptações.

 

Desenvolvendo  fluência

 

1 – Não interrompa

2 – Repita – Dependendo da habilidade de cada aluno, repita 3 vezes cada passagem.

3 – Modele – Leia o trecho depois que o aluno leu.

 

Teste sem erro e medo de falhar

 

1 – Considere o tamanho da tarefa – se forma muito grande, divida em trechos menores

2 – Dê dicas rapidamente – não espere que o aluno erre. Dê uma dica verbal ou visual, jamais com a conotação de não, está errado (muito menos falar em voz alta!)

3 – Evite as falhas apresentando menos opções para o aluno escolher. Por exemplo, quando ele estiver relacionando palavras, dê menos opções para garantir que ele acerte.

4 – Todas as palavras que forem testadas já devem ter sido apresentadas em forma de cartão.

 

Pareamento

 

Quando o aluno parece já saber as palavras que você ensinou, teste para determinar se ele só memorizou a forma da palavra ou se ele realmente consegue reconhecê-la. Faça folhas com as palavras (comece por duas palavras por folha). Dê um cartão com uma das palavras à criança, fale a palavra e diga para ela colocar em cima do nome correspondente. Se ela parece mostrar dificuldade em escolher, dê uma dica verbal ou visual, como por exemplo dizer o som da primeira letra “sss”” ou apontar para a palavra correta. A intenção é motivar o leitor, saber que ele pode fazê-lo. Então, diante de qualquer hesitação, haja rapidamente.

 

Seleção

 

Depois que a criança estiver confortável com o pareamento, passe para a seleção. Fale a palavra e diga para ela selecionar entre dois, depois 3 ou mais cartões.

 

Nomeação

 

Mostre o cartão e diga para a criança nomeá-lo. Se ela parecer não saber, de uma dica, como o som da primeira letra “dddd”. se a criança for não fala, ela pode fazer o sinal da palavra, fazer um som aproximado ou mostrar um cartão com a imagem correspondente.

 

Generalização

 

Escreva à mão uma frase de maneira diferente da que está no livro usado, por exemplo, em uma ordem distinta da que você usou. Sempre que possível, use frases inusitadas, que motivem o aluno a lembrar da palavra.

 

Crianças com autismo ou apraxia da fala

 

Para Natalie, autismo e apraxia da fala são as condições mais comuns presentes em pessoas com síndrome de Down que não são diagnosticadas.

 

No caso da apraxia, a criança sabe o que quer dizer mas não consegue falar. É importante encontrar um fonoaudiólogo especializado em apraxia para tratamento. Estas duas condições comprometem o desempenho da criança por diversas razões. Os professores têm baixa expectativa, a escola e terapeutas não suam língua de sinais, nem sistemas de comunicação alternativa e aumentativa (como PECS – figuras – ou aplicativos).

 

No caso de alunos com autismo, a luz fluorescente pode atrapalhar. Baixe a intensidade da luz e tire todas as fontes de distração de perto.

 

Use caneta com luz na ponta para prender a atenção.

 

texto sendo iluminado com caneta com luz na ponta - I love spaghetti.

 

 

Música bem suave pode ser colocada (Brain music).

 

Deixe o estudante usar uma caneta com luz para acompanhar as palavras na leitura.

 

Cubra o texto, com exceção da palavra que a criança estiver lendo.

 

Faça letras grandes.

 

Saiba quando parar.

 

Tenha objetos sensoriais para a criança usar quando estiver cansada. (dependendo de cada pessoa, balançar algo, folhear livro, usar um pula-pula, apertar uma bola, morder um mordedor…)

 

Não esqueça

 

1 – Leia em voz alta desde o nascimento da criança. A leitura pode começar a ser ensinada assim que a criança for capaz de combinar duas figuras e entender mais de 50 palavras.

 

2 – Ensine os sons das letras e as formas primeiro

 

3 – só mais tarde ensine o nome das letras

 

4 – Ensine 5 minutos 2 vezes, pelo menos, por dia, no começo.

 

5 – Lembre-se sempre dos objetivos:

  • ensinar a ler e entender o significado, o conteúdo;
  • motivar a criança a adorar livros;
  • ensinar a criança a escolher os livros para entretenimento e, masi tarde, para informação;
  • fazer com que a leitura seja atraente e bem-sucedida.

 

6 – Mantenha sempre a mesma rotina, se possível

 

7 – Crie jogos de memória, parear e bingo com palavras e imagens, e/ou só com palavras.