Artigo de Debora Mascarenhas e Sheina Tabak traz informações gerais para a construção de textos com leitura fácil, ou seja, que podem ser compreendidos por pessoas com deficiência intelectual.
Introdução
O conceito de acessibilidade no Brasil está voltado para algumas deficiências. Sabemos bem o que é necessário para que pessoas com deficiências físicas tenham o seu direito à acessibilidade garantido. A pessoa com deficiência física precisa ter acesso aos espaços através da requalificação física dos ambientes; uma pessoa com deficiência visual precisa que as informações estejam em braile; a pessoa com deficiência auditiva precisa de libras ou de recursos tecnológicos para garantir o seu acesso às informações.
Qual o conceito de acessibilidade para a deficiência intelectual? O que pode garantir o acesso à informação para as pessoas com dificuldade de aprendizagem? Em nossas pesquisas, encontramos algumas instituições na Espanha (Down Espanha) e Inglaterra (CHANGE, Down Syndrome Education) que trabalham com o conceito de textos em easy read. Numa tradução livre, podemos pensar em textos de leitura fácil. Estes textos propõem oferecer informações em formato acessível para este público. Disponibilizar informações através de uma linguagem simples e com imagens facilita a compreensão para pessoas que têm dificuldade para ler e escrever.
A metodologia de construção de textos acessíveis ou em leitura fácil tem regras de ortografia, gramática, vocabulário, estilo, imagens, tipografia, composição, paginação e enquadramento do texto. São diretrizes fundamentais do texto de leitura fácil a objetividade e a simplicidade. Apesar disso, um texto simples não significa reducionismo tampouco infantilização.
A construção de um texto de leitura fácil não é simples, já que a tradução de um texto em versão acessível implica em várias etapas: extrair do texto original os fatos e ideias mais importantes; resumir as principais ideias; simplificar e explicar as informações usando exemplos do dia a dia; não apresentar todas as ideias de uma só vez e abrir mão de conteúdos que tem pouco ou nenhum uso. Há ainda uma etapa da escolha das imagens, que não se trata apenas de uma ilustração do texto acessível. Esta escolha é norteada pela ideia da linguagem visual.
A linguagem visual – uma tradução livre de visual language– é uma ideia relacionada ao universo conceitual do design. Segundo esse preceito, a comunicação também ocorre através de símbolos visuais, ou seja, uma imagem tem poder de comunicar. Assim, os textos não são os detentores exclusivos dos conteúdos e conceitos. A imagem pode informar tanto quanto textos escritos. Por isto, apostamos que as imagens, nos materiais de linguagem em leitura fácil, têm uma função para além de ilustrar. Essas imagens são parte fundamental do texto acessível, carregam um poder de apresentar visualmente o conteúdo que num texto comum pode ser verbalizado.
Há ainda dois momentos muito importantes: a etapa de diagramação do texto (tamanho e fonte da letra, número de páginas e na quantidade de texto por página entre outros) e o processo de “validação” com jovens com deficiência intelectual. É nesta etapa de validação que avaliamos se o conteúdo está sendo apreendido por pessoas com dificuldades de leitura, o que não está claro e o que ainda precisa ser revisto e melhorado.
Apostamos e acreditamos no texto acessível como uma forma fundamental de acesso às informações. Acesso este que é veículo de quebra de preconceitos e garantia de direitos.
Como fazer um texto em leitura fácil?
Inspiradas no livro Lectura fácil: métodos de redacción y evaluación de Óscar García Muñoz, elaboramos algumas diretrizes para a construção de textos e/ou qualquer outra forma de comunicação, direcionados para pessoas com dificuldades de aprendizagens.
1. Redação
1.1. Ortografia
– A redação do texto deve obedecer todas as regras de ortografia vigente.
– Não é necessário usar sempre letras maiúsculas. Utilize letras maiúsculas quando desejar chamar atenção para alguma questão. O uso de letras maiúsculas de forma contínua não é algo comum socialmente, e por esse motivo não pode ser adotada como única forma de comunicação.
– Os signos de pontuação ajudam a ordenar, hierarquizar e enfatizar ideias. Eles precisam ser utilizados.
– O ponto deve ser o signo ortográfico para separação de conteúdos. É preferível o uso de ponto ao invés de vírgula para separar e diferenciar melhor ideias articuladas.
– Devem ser evitadas: reticências, ponto e vírgula, dois pontos, parênteses, aspas e travessões. O significado dessas pontuações, normalmente, é desconhecido.
– Para indicar diálogos, sugerimos o recurso dos balões de conversa, como nas histórias em quadrinhos.
– Para números é recomendável escrever sempre os numerais, não sendo indicado escrever por extenso. Evitar o uso de números ordinais e algarismos romanos. Em caso de números grandes, podem ser substituído por numerais arredondados, ou substituir pelas palavras: muitos, alguns, vários etc.
– Para as datas, escrever de forma completa, como por exemplo: dia 9 de maio de 2012.
1.2. Gramática
– A redação do texto de leitura fácil deve obedecer as regras gramaticais vigentes. Devem ser evitadas estruturas de frases e organizações gramaticais complexas, pois dificulta a compreensão das ideias.
– O uso de tempos e modos verbais, tais como futuro do presente, futuro do pretérito, subjuntivo, condicional e pretérito mais que perfeito devem ser evitados, pois não são de uso comum do cotidiano.
– Para ideias no futuro podemos usar a forma composta, como por exemplo: Ana vai comprar um sorvete.
– A voz passiva deve ser evitada, utilizando sempre a voz ativa. Deve-se usar, prioritariamente, a forma direta que a forma indireta.
-Deve-se evitar a substituição do sujeito por qualquer tipo de pronome. É preferível repetir o sujeito que substituí-lo por qualquer pronome.
– Deve-se evitar orações impessoais.
– Deve-se utilizar, prioritariamente, a estrutura simples de oração: sujeito + verbo + complementos. Orações complexas devem ser evitadas.
– Deve-se usar formas afirmativas e evitar formas negativas ou de sentidos ambíguos.
– O uso dos sinais ponto de exclamação e ponto de interrogação devem ser usados da forma mais coloquial possível, ou seja, as perguntas e exclamações devem ser escritas o mais próximas da linguagem falada.
1.3. Vocabulário
– Deve-se priorizar palavras mais curtas, com o menor número de sílabas e com as sílabas menos complexas.
– Vocábulos de uso cotidiano e próximos da linguagem falada devem ser sempre utilizados.
– O uso de palavras grandes e de difícil pronúncia devem ser evitados.
– Palavras com sentido preciso devem ser priorizadas.
– Palavras genéricas e de significado vazio devem ser evitadas.
– O uso de sinônimos deve ser evitado. É preferível a repetição do mesmo nome que o uso de diferentes palavras para se referir a mesma coisa.
– Se for necessário usar palavras menos comuns e mais complexas, elas devem ser explicadas através de contextualização, apoio de imagens e explicação de seu significado.
– Abreviaturas e siglas devem ser evitadas. As abreviaturas e siglas muito utilizadas devem ter seu significado explicitado na primeira vez que aparecem.
– Linguagem figurada, metáforas e provérbios devem ser evitados, pois exigem interpretação.
– Conceitos abstratos devem ser evitados. Quando forem usados, é necessário utilizar ilustrações com exemplos práticos do dia-a-dia para explicitar a ideia.
– Palavras que expressem juízo de valor devem ser evitadas.
– O uso de percentagem para expressar probabilidade ou proporção deve ser evitado. Uma sugestão é usar muito ou pouco.
1.4. Estilo
– Um texto de fácil leitura precisa ser motivador.
– São características importantes de um texto de leitura fácil a simplicidade e a objetividade. O estilo de referência é a conversação.
– No processo de construção do texto de leitura fácil deve ser priorizado as ideias principais a serem apresentadas. E as mesmas devem ser colocadas com clareza e objetividade.
– A quantidade de texto e de ideias, em cada folha, deve ser limitada.
– É preciso ser conciso expressando uma ideia por frase.
– É extremamente necessário utilizar uma linguagem coerente com a idade e repertório cultural do leitor. No caso de adultos, deve-se utilizar uma linguagem não infantilizada, respeitando sua idade.
– É necessário proporcionar informação relevante e significativa.
2. Diagramação
2.1. Orientações gerais:
– Deve-se utilizar papel de uma gramatura maior para evitar transparências e permitir um manejo melhor para passar as páginas.
– O texto precisa estar apresentado de forma atrativa.
– O texto não deve passar de 15 páginas.
– Deve-se colocar no texto um telefone ou e-mail de contato para que a pessoa que estiver lendo possa entrar em contato caso possua alguma dúvida sobre o texto.
2. 2. Tipografia
-Deve ser priorizada uma única fonte de letra.
– O tamanho da letra deve ser grande. Uma opção habitual é a letra com 16 pontos.
– Deve-se utilizar uma fonte clara, como Arial, Calibri, Tahoma e Verdana. Fontes que simulem uma letra manuscrita devem ser evitadas.
– Efeitos tipográficos como adornos, diversas cores e sombras devem ser evitados.
– O uso, sem exageros, de negritos e sublinhados deve ser usado para destacar palavras.
– O fundo branco com letra preta deve ser, prioritariamente, utilizado.
2.3. Composição do texto
– Cada linha deve ter apenas uma oração.
– A pontuação das frases deve respeitar o discurso falado.
– Não se deve dividir palavras com utilização dos hífens.
– Não se deve partir uma frase em páginas diferentes.
– O número de linhas utilizadas por página deve ser limitado. Não se deve incluir muitas informações por página.
– É importante ter muitos espaços em branco na página do texto. Deve-se usar amplas margens e amplos espaços entre os parágrafos do texto, além de amplos espaços entre as linhas do texto.
2.4. Imagens
– É necessário utilizar imagens de apoio ao texto. Para selecionar a melhor imagem, é importante pensar na ideia que se quer transmitir com o texto.
– Deve-se utilizar imagens fáceis de entender e reconhecer.
– A imagem deve ser útil, não necessariamente, bonita.
– Utilizar imagens coloridas, nítidas, grandes e em alta resolução.
– O mesmo estilo de imagens em todo o texto deve ser mantido.
– O uso de gráficos, diagramas e tabelas técnicas deve ser evitado.
– É preciso dar títulos às imagens.
– Não se deve utilizar imagens como fundo do texto, porque dificulta a legibilidade.
– Preferencialmente, as imagens devem vir antes do texto.
– É muito importante que fique claro a que parte do texto pertence cada uma das imagens.
– Muitas vezes, é interessante agregar às imagens, por exemplo, balões de fala, setas para chamar atenção de algum ponto da imagens, marcar a imagem com um X – para mostrar o que não pode – ou com um polegar para cima ou uma cara feliz – para mostrar o que é bacana.
3. Outros tipos de texto
3.1. Filmes
– O recurso audiovisual de fácil compreensão precisa ser motivador, priorizando as ideias a serem apresentadas de forma clara e objetiva.
– A quantidade de texto e de ideias, em cada filme, deve ser limitado.
– A velocidade do filme precisa ser mais lenta que o regular, pois o tempo de captação das imagens e o processamento das mesmas é mais lento.
– A simplicidade e a objetividade são características fundamentais. O estilo prioritário é a conversação.
– É extremamente necessário utilizar uma linguagem coerente com a idade e repertório cultural do leitor. No caso de adultos, deve-se utilizar uma linguagem não infantilizada, respeitando sua idade.
– Deve-se proporcionar informação relevante e significativa. É recomendável que o tempo do vídeo não exceda 4 minutos.
– Recomendamos que os vídeos tenham legenda, apesar desta não ser a forma de comunicação prioritária de pessoas com deficiência intelectual.
Conclusão:
Esperamos que com esses norteadores trabalhados ao longo do texto, possamos criar textos verdadeiramente acessíveis de fácil compreensão. Sabemos que cada pessoa com dificuldades de aprendizagens é um sujeito com suas especificidades. Dessa forma, nem todos os textos de fácil leitura serão acessíveis para todas as pessoas com deficiência intelectual. De qualquer forma, esses textos podem servir de base para criar novos materiais complementares e contribuir para que as informações sejam de fato divulgadas, e que, enfim, as pessoas possam ter seus direitos como cidadão garantidos.
Bibliografia:
Muñoz, Óscar García. Lectura fácil: métodos de redacción y evaluación.
http://www.sindromedown.net/adjuntos/cPublicaciones/124L_lectura.pdf
CHANGE PEOPLE. How to make information accessible
http://www.changepeople.info/free-resources/
Para saber sobre Visual Language