Revigorada. É como me sinto saindo do VII Congresso Brasileiro Sobre Síndrome de Down, organizado pela Associação Reviver Down, em Curitiba.
Fiquei muito feliz em ver o protagonismo das pessoas com síndrome de Down realmente acontecendo. Na abertura, os discursos inflamados de Fernanda Honorato e Breno Viola e o hino nacional tocado no cavaquinho por Dudu do Cavaco e cantado por Abner Roger, já anunciavam os novos tempos.
Na oficina de revisão do ordenamento jurídico, a ordem do dia foi o empoderamento. O Comitê da ONU deu o tom em suas recomendações ao Brasil – nada de tutor, curatela, interdição. O indivíduo é senhor de seu direito. Decisão apoiada. Adaptação razoável. E, acima de tudo, nada sobre nós sem nós.
No Simpósio sobre Organizações Internacionais, foi muito bom ouvir do experiente Presidente da Federação Iberoamericana de Síndrome de Down, Jesus Coronado Hinojosa, que o Brasil lidera na América Latina em inclusão. Mas sabemos que há muito ainda que crescer.
Na minha apresentação falei da atuação do Brasil para emplacar o Dia Internacional da Síndrome de Down na ONU. Expliquei a importância da data para sair da invisibilidade, dar protagonismo, chamar atenção para questões de interesse e promover a inclusão. Sugeri a organização de audiências públicas, manifestações para a obtenção de melhores serviços, protestos para denunciar violação de direitos.
Expliquei que o dia internacional é das pessoas com síndrome de down. Nada sobre as pessoas com síndrome de Down, sem as pessoas com síndrome de Down. A voz é delas. As entrevistas, as palestras, devem ser com elas. Nada de desvirtuar a data.
E aproveitei para dar um recado: se queremos de fato a inclusão, precisamos parar de organizar e promover projetos especiais, como calendários exclusivos, desfiles de moda só de pessoas com deficiência, cursos segregados, etc. Eu sei que é muito mais fácil, mas é um caminho que não leva à inclusão. Vamos concentrar nossos esforços para abrir mais espaços para participação das pessoas com deficiência em todos os ambientes, junto com todas as pessoas, com as devidas acomodações necessárias a que têm direito por lei.
Agradeço à provocação de Izabel Maior, que perguntou à mesa se existiam no mundo associações de pessoas com síndrome de Down. Contei sobre um convite que recebi do Breno Viola há alguns anos. Breno vinha participando de muitos eventos como autodefensor, na gestão da Claudia Grabois, e queria se candidatar à presidência da Federação. Pediu que eu fosse vice-presidente na chapa. Disse que ficava super honrada com o convite e expliquei a ele que não poderia concorrer porque estava indo morar fora do Brasil. Achava que ele era um ótimo candidato e lancei seu nome. As reações dos pais foram as piores possíveis. Fiquei muito decepcionada com pessoas que diziam que lutavam pela inclusão, mas no fundo não acreditavam na capacidade das pessoas, muito menos estavam dispostas a fazer as adaptações razoáveis necessárias para que a participação política das pessoas com síndrome de Down acontecesse de fato.
No simpósio foi lembrado que há pessoas com síndrome de Down que são membros de diretorias ou porta-vozes de assocações, mas muitas vezes o papel acaba sendo meramente figurativo. Enfrentam desde impedimento legais – o Ministério Público não querer reconhecer a assinatura em documentos – à dificuldade concreta de serem envolvidas nas discussões e decisões de maneira acessível, passando pela falta de interesse (que aliás não se limita a quem tem síndrome de Down).
Então a Vera Ione, da Associação dos Familiares e Amigos do Down (AFAD), de Porto Alegre, trouxe a grata notícia de que os jovens da associação estão participando do Conselho, querem saber como os recursos estão sendo gastos e não faltam a uma reunião – vão todos, inclusive os suplentes!
Na parte da tarde, fui mediadora de uma mesa onde falaram João Vitor Silverio, Debora Seabra, Fernando Moreira, Samuel Sestaro e Breno Viola. Cada um contou sobre sua vida e suas conquistas.
Pra quem duvida que o preconceito exista, a palestra já começou com discriminação, quem diria, dentro do próprio Congresso. A empresa responsável pela filmagem veio me perguntar quem assinaria a autorização de uso de imagem dos palestrantes com síndrome de Down. Uso de imagem de quem, cara pálida? Algum outro “doutor” palestrante teve que passar por isso?
Passado este deslize, vimos quatro adultos contando suas trajetórias de vida, com direito a declarações de amor e amizade e reconhecimento às famílias.
João Vitor disse que foi discriminado na faculdade de Educação Física por uma professora que não queria ensiná-lo. Fez Bacharelato e Licienciatura. Falou que nunca para, está sempre se aperfeiçoando. Hoje dá aula na mesma escola em que estudou.
Débora também é professora, há 10 anos. Tem livro publicado, ganhou vários prêmios e palestrou na ONU. Destacou a importância do lazer na nossa vida para desestressar e de ter amigos.
Fernando foi bem enfático ao dizer que estudou em escola re-gu-lar. Disse que seus pais queriam que ele tivesse continuado estudando despois do ensino médio, mas que ELE não quis, porque queria logo começar a trabalhar.
Samuel contou que sua mãe teve que abrir uma escola pra que ele fosse incluído. Falou sobre seu amor pelo esporte, as viagens que fez e disse que seu sonho é tirar carteira de motorista. Está adorando trabalhar no banco Itaú.
Breno começou declarando seu amor à noiva Samanta. Falou do seu trabalho de autodefensor do Movimento Down e sobre como era importante que todos se engajassem na luta contra o preconceito.
Depois abrimos para perguntas. Uma jovem reclamou que sofria bullying na escola. Breno disse que também passou por isso e que ficou fortalecido. Mas que ela deve denunciar quando isso acontecer.
Sinto que o nosso papel de trator, abrindo caminhos para passar esta nova geração falando por si própria e conquistando o seu papel na sociedade está surtindo efeito.
Temos muito o que aprender e amadurecer como movimento. Tentar ser mais acessíveis e objetivos. Na palestra, uma mãe recente fez uma pergunta quilométrica a um palestrante, que acabou se perdendo na resposta. Precisamos nos adaptar.
Aos jovens que participaram da palestra, obrigada, amigos, por mostrar às novas mães e pais, aos professores, aos terapeutas e aos médicos que, sim, vale a pena investir; sim, todos têm capacidade; sim, vocês são indivíduos e não extensões dos pais.
A todas as pessoas com síndrome de Down presentes no Congresso, continuem se engajando, participem das associações, formem novos grupos, discutam suas necessidades, suas vontades. Estamos aqui para apoiá-los no que for preciso, sempre que quiserem.
Vocês já conquistaram. Tá na hora de ocupar!
Um abraço forte,
Patricia Almeida
PS – Obrigada Marlene e Noêmia, por um Congresso inesquecível, à legião Reviver Down e à equipe de organização. Vocês foram demais!