De uns tempos pra cá tenho visto com certa frequência reportagens cujas manchetes anunciavam uma possível cura para a síndrome de Down (SD). Elas se referiam a pesquisas diferentes. Pelo menos três. Foi inevitável parar para pensar e avaliar o efeito destas notícias na minha vida. Seriam notícias boas as que anunciavam a possibilidade de “desativar” a síndrome do meu filho? Como seria ele, sendo ele mesmo, mas sem a SD? Seria ele mesmo ainda? Ou será que eu teria, após a deglutição de uma pílula milagrosa, um novo filho? Nascido aos oito anos de idade? Não. Não quero curar meu filho.
Por outro lado, estou cansada. Sim, muito cansada! E esta maternidade me cansou mais do que a primeira, não posso negar. Mas por quê? Se olho apenas pro meu filho, esta cura que buscam me parece desnecessária. Inútil mesmo. Logo que ele nasceu, achei que teria muitas dificuldades a enfrentar em decorrência do que ele não seria capaz de fazer. Hoje vejo que Rafael dá conta de tudo que é de sua responsabilidade. Precisa de uma ajuda?! Precisa, mas faz tudo. Foi um bebê ótimo e hoje é uma criança ótima também. Brinca, faz má-criação, birra, dá muitas alegrias, encanta todos da família e as pessoas que têm a oportunidade de conhecê-lo e permitem uma aproximação.
O que me tira o sono hoje em dia não é ele. Não é a ajuda extra que tenho que demandar por ele. Mas e se olho para o mundo que o cerca? A escola, o parquinho, as pessoas à nossa volta? Sim! Adoraria ler nos jornais uma manchete que anunciasse uma cura para as barreiras atitudinais. Esta cura, sim, me deixaria, ansiosa, cobiçando o remedinho milagroso. Eu não precisaria mais batalhar repetidas vezes para mostrar que, sim, meu filho é apenas mais uma criança de oito anos e não um “bicho de sete cabeças”. Este remédio eu levaria com toda a alegria do mundo, junto com um copo d’água, para que a escola engolisse.
Assim pararia de buscar uma receita de bolo para educar o meu filho, já que aos olhos da escola ele não pode ser educado como os demais. Como se as particularidades dele fossem mais peculiares que as dos outros tantos da mesma turma. Levaria também para as mães do parquinho que ficam incomodadas com a proximidade do meu filho, para que elas engolissem. Ah, levaria também para as pessoas que fingem não escutar quando ele educadamente cumprimenta e tenta iniciar uma conversa e as reportagens estivessem anunciando a cura destas barreiras, aí sim causariam um rebuliço e uma corrida frenética para a compra deste remédio, eu garanto!
Mas, pensando bem, eu também precisei de uma cura quando dei à luz um filho que não se encaixava na imagem preconcebida que eu tinha do meu segundo filho. Eu era uma mãe assustada, paralisada, que já não permitia que o sentimento de maternidade fluísse e seguisse naturalmente me fazendo não hesitar em ser mãe. Como iria educar um filho diferente? Como seria o futuro deste bebê? E sabe onde encontrei minha cura? No meu próprio filho. Foi só olhar pra ele. Mas olhar pra ele mesmo, não apenas de relance. Foi enxergá-lo além da deficiência. Foi enxerga-lo como pessoa em primeiro lugar e não apenas visualizar a imagem preconcebida que se tem de uma criança com síndrome de Down.
Então, talvez, ele mesmo seja a pílula dourada. Basta ter olhos de ver. E esta receita de cura serve pra qualquer um e tem efeito muito mais eficaz do que qualquer pílula. Por isso ele precisa estar junto das outras crianças de hoje que serão os adultos do futuro. Em todos os espaços. Para que a sociedade o enxergue por inteiro e não somente a sua deficiência.
Por Carla Codeço, mãe de Rafael, que nasceu com síndrome de Down, e uma das autoras do Blog Paratodos.