Trabalhar o tema identidade em uma turma de inclusão pode ser, à primeira vista, uma tarefa árdua. Como contribuir para que alunos que muitas vezes se sentem diferentes e que têm a auto-estima fragilizada por causa de suas limitações se valorizem? A solução para o problema é mais simples do que você pensa: identificar e exaltar as capacidades de cada um, em vez de colocar em primeiro plano as possíveis limitações. A prática é indicada para turmas de qualquer idade ou série.
Adotar uma postura positiva e incentivar o desenvolvimento das habilidades dos estudantes são passos importantes para que eles comecem a se conhecer e perceber o que têm de bom. “O professor deve apostar no aluno, e para isso é necessário conhecê-lo bem”, afirma a psicóloga e educadora Josca Baroukh, de São Paulo. Josca recomenda que os professores ouçam as crianças e os jovens e sejam sensíveis para identificar limites e possibilidades. Assim, de acordo com ela, eles adquirem condições para desafiar os estudantes no que é possível a cada um a progredir.
A sociedade brasileira ainda engatinha no que se refere à inclusão. Devido à falta de informação e ao preconceito, todos os envolvidos passam por dificuldades. O deficiente sente-se excluído porque o tratam como incapaz. Os pais, por sua vez, infantilizam ou superprotegem os filhos. E o professor que recebe um aluno com esse histórico teme fracassar na tentativa de integrá-lo à sociedade, principalmente se não tiver orientação sistematizada.
Para fortalecer a identidade de crianças e adolescentes, em especial os deficientes, é necessário olhá-los sem benevolência. “Às vezes, o professor, sem querer, estereotipa o estudante e o trata com pena. Isso desanima”, afirma Josca. “Uma boa dica é mostrar pessoas que conviveram com algum tipo de deficiência e foram bem sucedidas”, sugere Raquel Namo Cury, assessora pedagógica do Instituto Superior de Educação do Centro Universitário Hermínio Ometto (Uniararas), de Araras (SP).
Você pode solicitar pesquisas sobre grandes personalidades que não limitaram sua vida por causa de uma deficiência. E exemplos não faltam: Beethoven compôs a Nona Sinfonia quando estava completamente surdo. O físico britânico Stephen Hawking, um dos mais brilhantes do mundo, usa um conversor de fala para se comunicar e apenas um dedo para escrever livros e registrar suas fórmulas. A cegueira não impediu o sucesso dos músicos Steve Wonder e Ray Charles, assim como o fato de se locomover em cadeira de rodas não é empecilho para muitos jovens seguirem a carreira esportiva. “Quando esse tema é abordado de forma positiva, o aluno se descobre pelo acréscimo e não pelo déficit”, complementa Raquel.
Todos têm qualidades
A professora de Educação de Jovens e Adultos (EJA) Rosângela Sartoretto, da Escola Estadual de Ensino Fundamental Cândida Fortes Brandão, em Cachoeira do Sul (RS) tem uma turma de 18 estudantes sendo dois com deficiência mental, um com deficiência auditiva e dois com baixa visão. “Proponho peças de teatro em que cada um dramatiza algo importante do seu cotidiano”, conta. A professora desenvolve também atividades nas quais cada um se reconhece como participante de um grupo, outro bom caminho para trabalhar a identidade.
Projetos que levem o aluno a valorizar suas potencialidades e a se sentir parte de um todo são indicados pela psicóloga Josca Baroukh. “Ao estudar os costumes de um povo, por exemplo, crianças e jovens comparam seus hábitos e percebem como eles próprios vivem em sociedade, seja a sala de aula, a cidade ou o país”, explica.
A professora Rosângela faz questão ainda de mostrar a contribuição dos estudantes para o grupo por meio dos atributos pessoais. Papel sulfite e caneta são os únicos materiais necessários para a dinâmica proposta por ela. Em cada folha é escrito o nome de um aluno e os papéis passam de mão em mão. A tarefa é escrever alguma característica positiva sobre o colega. “É comum os estudantes ficarem emocionados e espantados ao saber o que os amigos vêem de bom em sua personalidade. Dessa forma começam a se desinibir e a gostar mais de si”, afirma.
Para Mara Lúcia Madrid Sartoretto, diretora do Centro de Apoio da Associação dos Familiares e Amigos do Down (AFAD), no Rio Grande do Sul, dinâmicas desse tipo são essenciais em turmas de inclusão na EJA. “Esses alunos, além de conviver com a deficiência, chegam a essa modalidade de ensino em virtude do fracasso na vida escolar. Por terem uma baixa auto-estima, o trabalho de identidade é duplamente importante.”
Tendo isso em vista, coloque em evidência o que seu aluno tem de bom. Alguém na sala não enxerga? Eis uma limitação. Mas o que ele sabe fazer com competência? Ele canta ou se socializa bem? Todos têm limitações e capacidades, e é papel da escola ensinar e praticar o respeito às diferenças, dando oportunidades a crianças, jovens e adultos de reconhecer seus limites e os dos colegas. E, acima de tudo, destacar o que há de bom em si e nos outros.
Por Meire Cavalcante
Fonte: Revista Nova Escola