O Processamento sensorial nas crianças com síndrome de Down – Parte 3

Crédito da foto: Edmilson de Lima/Imagens do Povo
Crédito da foto: Edmilson de Lima/Imagens do PovoPor Maryanne Bruni – Terapeuta ocupacional – West Toronto Keys to Inclusion, Canada

 Tradução para o português: Deisy Aguiar

SUMÁRIO

5. Estratégias para enfrentar as dificuldades do processamento sensorial

5.3. Transições e mudanças

5.4 O estado de alerta e a autorregulação

5.5 Tecnologia

5.6 Snoezelen

6. A síndrome de Down e os transtornos do espectro autista

7. Abordagens comportamentais

8. Conclusão

 

5.3. O processo de Transição

Muitas crianças pequenas têm dificuldade com as transições, ou seja, parar uma atividade e logo em seguida ir para a seguinte. Quando você diz para seu filho guardar os brinquedos e sentar-se à mesa para almoçar, você está pedindo a ele para fazer uma transição. Obviamente existem muitas transições a serem feitas ao longo do dia e se seu filho resiste a cada uma delas, isso pode levar à frustração dos pais e dos professores. Existem muitas possíveis razões ou combinações de razões que podem explicar a dificuldade de uma criança com síndrome de Down para fazer transições. Aqui estão algumas das mais comuns:

  • Dificuldade com a autorregulação: pode ser difícil para ela mudar seu nível de atividade e de alerta com rapidez de modo a encontrar/perceber o que se espera da próxima atividade;
  • Dificuldade no processamento e entendimento da instrução ou pedido, e uma incompreensão da natureza da próxima atividade e o que se espera dela;
  • Dificuldade de comunicar-se e de ser compreendida;
  • Expectativa inconsistente, imprevisível ou inapropriada da criança;
  • Confusão em função de muitas pessoas falarem o que ela deve fazer;
  • Resistência em parar uma atividade que ela gosta de fazer;
  • Não gostar da outra atividade.

Como facilitar o processo de transição

Apresentamos aqui algumas ideias para que as transições ou mudanças de atividade se tornem mais fáceis para a criança. Elas consistem em uma combinação de enfoques sensoriais, de comportamento e cognitivos.

  1. a) Utilizar um plano, ou calendário diário com imagens para que o dia pareça mais previsível e, portanto,seja mais fácil administrá-lo. Coloque imagens numa cartolina ou quadro em sequência de esquerda para a direita ou de cima para baixo. Isso dará à criança uma ideia clara das atividades diárias fazendo com que ela compreenda e lembre o horário de cada atividade. Essas imagens são especialmente úteis para as crianças que têm: i) dificuldades para entender tudo o que é dito ii) dificuldade para expressar-se verbalmente. Por exemplo, a criança verá a partir das imagens que primeiro tem que ir com o pai buscar sua irmã, depois vai voltar para a casa para comer e depois vai poder brincar até a hora de tirar uma soneca. Assim a criança tem consciência da sequência das atividades e sabe o que a espera.
  1. b) Para preparar a criança para a mudança de atividade que está próxima, avise-a um tempo antes: “daqui a cinco minutos temos que colocar o casaco e ir buscar a sua irmã”. O aviso pode ser visual, mediante imagens, ou auditivo, como a campainha de um despertador. “cinco minutos” é um conceito abstrato que muitas crianças não compreendem, mas há despertadores que ademais são visuais; por exemplo, um disco vermelho que vá girando e fazendo-se menor conforme passa o tempo; isso ajudará também a compreender o conceito de tempo.
  1. c) Seja claro sobre o que se espera. Ajude-a na compreensão dos passos do processo. Dizer: “Agora nós vamos buscar sua irmã” pode não ser suficiente. Pode ser necessário descrever os passos e que ela os veja em uma sequência visual: “Agora vamos parar o que estamos fazendo (esperar até que ele pare), colocar os casacos e ir para o carro para buscar sua irmã”.
  1. d) Mesmo com toda preparação, pode ser que ainda seja difícil para ela parar o que está fazendo. Deixe que pegue e leve consigo alguma coisa da atividade que fazia antes para a seguinte, como por exemplo, levar um dos brinquedos com que brincava para o carro.
  1. e) Às vezes, se a criança sente que tem um papel importante na atividade seguinte estará mais interessada em parar o que fazia e seguir para a atividade seguinte. Tente encontrar algo que ela goste fazer. Por exemplo, talvez goste de colocar o cinto de segurança no carro. Ela pode colocar o seu e o da irmã e assim sentirá que tem um papel importante.
  1. f) As crianças aceitam melhor as mudanças se estão tranquilas e alertas. Se a criança com dificuldade de autorregulação responde em excesso ou responde pouco nesse momento em particular, pode ser que não seja capaz de fazer a mudança por si própria. Você terá que aplicar um plano extra de alguns minutos na rotina até conseguir que se acalme ou que se desperte. Para tranquilizar a criança, trate de seguir alguma dessas sugestões:
  • Junte-se a sua atividade ou brincadeira, coloque-se em seu nível de energia e trate de reduzí-la gradualmente com suas próprias ações e sua voz (diminuindo os movimentos e baixando o tom de voz);
  • Conforme ela vá se acalmando, utilize uma música rítmica e lenta acompanhada de ações rítmicas, isso a ajudará a regular-se e fazer a transição.

Se a criança não faz a transição porque necessita mais energia (necessita “despertar-se”), eis aqui algumas ideias:

  • Junte-se a sua atividade ou brincadeira no nível de sua energia e animação e vá aumentando gradualmente, animando-a a que a acompanhe nos versos e cantos que promovam uma maior atividade física.
  • Um ligeiro toque pode elevar o nível de alerta de uma pessoa. Tente um toque que não a assuste, como apertar suavemente seus dedos, soprar o cabelo, tocar suas orelhas. Toques rápidos e bruscos são também ativadores, como “high five” ou bater palmas.
  1. g) As histórias sociais (do estilo das de Carol Gray escritas para crianças com autismo – http://carolgraysocialstories.com/social-stories/social-story-sampler/ ) às vezes são usadas para ajudar uma criança na compreensão de uma situação ou de uma habilidade social. A história descreve a situação e mostra exemplos de comportamentos apropriados a partir da perspectiva das pessoas que interagem na situação. Ela é escrita em um formato específico (por exemplo, em primeira pessoa). Algumas crianças respondem bem a essas histórias sociais e podem chegar a resistir menos às mudanças e a outras expectativas de comportamento.
  1. h) Pode haver momentos em que nada disso funcione e você tenha que recorrer à tarefa de distrair e entreter. Deixe de pensar no que desejava que ela fizesse e concentre-se em vocês dois, interagindo com canções, fazendo mímicas, usando voz divertida, etc.! Antes que ela se dê conta começará a cooperar com o que você desejava que fizesse.

5.4. O estado de alerta e a autorregulação

Ao longo do dia usamos muitas estratégias sensoriais sem que realmente pensemos nelas, sem mesmo percebermos. Ao sentirmos sono durante uma viagem longa recorremos à música alta, mascamos chiclete ou cantamos para nos mantermos alertas e acordados. Se não gostamos da sensação da lã sobre a pele, simplesmente deixamos de comprar roupas de lã. A diferença com nossos filhos é que talvez eles não consigam identificar o que os está incomodando, o que os mantém pouco atentos, ou talvez não consigam nos comunicar.

O primeiro passo para pais e educadores será reconhecer que o estímulo sensorial pode estar influenciando nas respostas da criança. Se determinadas influências sensoriais parecem ser a causa de que ela seja mais desorganizada, elas devem ser reduzidas ou eliminadas do seu entorno. Se perceberem que outros estímulos sensoriais a ajudam a estar mais tranquila e organizada, procure incorporá-los no seu dia-a-dia de forma regular. Assim como as atividades de coordenação motora fina podem ser incorporadas às rotinas diárias, também as estratégias e atividades sensoriais podem formar parte de seu cotidiano. As estratégias sensoriais não se limitam a ajudar a criança em seu transtorno de processamento sensorial: elas ajudam a todos. Seu filho com síndrome de Down pode não ter problemas de processamento sensorial, mas ainda assim pode se beneficiar da utilização de estratégias sensoriais em sua rotina diária.

Todos nós respondemos melhor às demandas ambientais quando nos encontramos em um estado tranquilo e alerta. Nosso “estado” se refere a como respondemos nesse momento particular ao que está acontecendo ao nosso redor e se refere também a nosso “nível de alerta”. Experimentamos toda uma gama de níveis de alerta: do sonho até um estado muito elevado de consciência e de prontidão que mantemos em situações de perigo.

O processamento sensorial nos ajuda a mudar nosso estado em função da hora do dia e da atividade que desenvolvemos. Por exemplo, se seu filho está na fonoaudiologia, necessita estar alerta e atento ao fonoaudiólogo para se beneficiar dessa terapia. Se ele está sonolento e distraído ou hiperestimulado e excitado, necessita que você o ajude a regular seu estado em função das necessidades do dia. As rotinas da hora de ir para a cama que estabelecemos para nossos filhos os ajudam a irem se acalmando gradualmente até adormecerem. Para a criança com dificuldades de desenvolvimento, problemas médicos, transtornos sensoriais ou dificuldades no processamento sensorial, mantê-la em um estado apropriado ao longo do dia pode ser um grande desafio.

Todos nós passamos por níveis diferentes em nosso estado de alerta ao longo do dia: estamos sonolentos na primeira hora da manhã e à noite, alertas e ativos durante as atividades diárias, com um nível alto de alerta durante uma atividade esportiva intensa, sentimos sonolência durante uma aula monótona no meio da tarde, etc. Nosso nível de alerta se vê influenciado por muitos fatores internos e externos. O cansaço, a fome e o nível de atividade física são fatores internos, os problemas médicos são também importantes fatores que podem afetar uma criança e devem ser levados em conta sempre em primeiro lugar.

Como já foi mencionado nesse artigo, o hipotireoidismo, a apneia do sono, as infecções respiratórias e a desidratação são problemas críticos que devem ser vigiados nas crianças com síndrome de Down. Temos que prestar atenção também a muitos fatores externos: o barulho, os estímulos visuais, a iluminação, o movimento, o tipo de comida e bebida e muito mais, tudo isso influencia no nível de estado de alerta. A autorregulação se refere à capacidade de alcançar, manter e mudar o estado ideal de uma pessoa (comr elação a seu nível de alerta) para cumprir as necessidades de uma situação. O desenvolvimento da autorregulação nas crianças implica também o desenvolvimento de sua noção (tomada de consciência) sobre os comportamentos socialmente aprovados e a capacidade de modificar seu próprio comportamento. Por exemplo, uma criança com boa autorregulação deveria ser capaz de brincar de pega-pega fora de casa e depois entrar rapidamente na casa quando o chamam para almoçar, sentar-se a mesa e comer. Uma criança com autorregulação comprometida pode não ser capaz de fazer essa mudança ou transição tão rápida e facilmente, pode ser lenta para responder e ter dificuldades para acalmar-se o suficiente, sentar-se à mesa e comer. Ao sentir dificuldade para mudar seu nível de alerta, pode aprender a resistir diante dessas mudanças, especialmente se elas são inesperadas e por isso habitualmente essas crianças são consideradas teimosas. A criança pode então ter aprendido esse padrão de comportamento e insistir na sua utilização, inclusive quando vai amadurecendo e já seria capaz de regular mais facilmente seu nível de atividade.

Existe um programa chamado How Does Your Engine Run? The Alert Program for Self-Regulation, desenvolvido pelas terapeutas ocupacionais Mary Sue Williams e Sherr Shellenberger, que se concentra no ensino de crianças em idade escolar sobre as maneiras de reconhecer, compreender e executar estratégias sensoriais para mudar ou manter seu nível de energia e estado de alerta de uma maneira apropriada às suas necessidades ao longo do dia. Zones of Regulations é um programa baseado no enfoque do comportamento cognitivo, que ajuda as crianças a aprenderem a se autorregular mediante técnicas de relaxamento, estratégias cognitivas e suporte sensorial.

Modos de alertar e preparar atividades para crianças com síndrome de Down:

Os níveis no estado de alerta podem ver-se influenciados por todos os sistemas sensoriais, incluindo os sistemas tátil, vestibular e proprioceptivo. Quando nos sentimos letárgicos e com energia baixa, frequentemente o melhor modo de aumentar o nível de energia e o estado de alerta é desenvolvendo uma atividade de movimento, como levantar-se e dar um passeio. O mesmo se dá com as crianças com síndrome de Down. O movimento autodirigido está alertando por si próprio a nosso sistema nervoso. Os movimentos com especial capacidade de alertar e organizar o sistema nervoso incluem: 1) os que envolvem mudanças de posição da cabeça no espaço (estímulo vestibular), como um balanço e 2) movimentos que proporcionam uma pressão profunda através das articulações (impulso proprioceptivo), como pular corda.

Esses tipos de estímulos sensoriais podem mudar temporariamente o nível de alerta de uma criança e ao mesmo tempo oferecer boa preparação para o corpo para que aprenda uma nova tarefa motora. A participação em atividades vestibulares e proprioceptivas prepara o sistema nervoso para a realização de uma atividade mais difícil, como por exemplo, alguma que se esteja recém aprendendo. Disponho de uma história pessoal de como isso funciona. Durante muito tempo tentei ensinar a Sarah a andar de bicicleta de modo habitual: ajudando-a a sentar-se e colocar os pés nos pedais, segurando depois a parte de trás do banco da bicicleta enquanto empurrava. Porém me parecia que eu nunca seria capaz de soltar a parte traseira da bicicleta porque ela nunca chegou a ter o sentido de equilíbrio. Finalmente experimentei colocá-la em um balanço no parque local (algo que ele gostava muito); se balançou e correu em círculos por uns 10 ou 15 minutos. Quando voltamos à bicicleta depois disso, ela começou a captar o balanço da bicicleta e em seguida eu pude soltá-la. Pareceu-me que os estímulos vestibulares lhe ajudaram a preparar-se para uma tarefa mais difícil de equilíbrio na bicicleta. Pode ser que isso não funcione com todas as crianças, nem que seja necessário sempre esse estímulo para aprender a andar de bicicleta, mas me pareceu existir uma correlação que para nós funcionou.

Às vezes as crianças com síndrome de Down têm dificuldade para autorregular no contexto das expectativas ambientais e sociais. Por exemplo, parecem estar letárgicos e com pouca capacidade de resposta na sala de aula, mas rapidamente passam a superexcitar-se com um jogo social interativo. Se há contato físico no jogo, podem inclusive exagerar, agarrando e segurando o colega de forma inapropriada. Os adultos que o vêem não sabem como agir. Eles adoram que a criança por fim interaja com as outras crianças, mas suas dificuldades para compreender o protocolo social e para regular suas interações limitam o êxito na sua relação com os demais. É como se a “janela” da criança em seu estado “ideal” de alerta e capacidade de resposta é pequena e que se encontra mais frequentemente abaixo no nível ótimo. Devido a seu atraso cognitivo e de sua dificuldade para captar os sinais sociais e responder de acordo com eles, era provavelmente mais útil combinar as estratégias sensoriais com os enfoques de comportamento.

Perfil: James

James é um garoto de 12 anos incluído em uma escola regular. Ainda que tranquilo e pouco interativo com seus colegas em sala de aula, “desperta para a vida” na hora do recreio, correndo de um lado a outro de forma irregular e tenta participar nos jogos que já começaram na quadra da escola. Como passa de um grupo a outro e não entende as regras do jogo, acaba estragando o jogo e os demais garotos não querem brincar com ele.

Recentemente sua professora se deu conta da necessidade de realizar atividades com movimento estruturado, com componentes de estimulação profunda (propriocepção) que lhe ajudem a ser mais organizado em suas brincadeiras durante o recreio. Organizou um grupo de estudantes do oitavo ano para estabelecer umas poucas atividades para o James e alguns de seus colegas fazerem no seu recreio. Começaram com cabo de guerra (duas equipes puxam uma corda em direção contrária), e depois outro jogo com um grande balão do qual devem se esquivar, e depois o jogo de pisar nas sombras dos outros, nesse jogo não é permitido tocar nem agarrar o outro (o que resulta bastante difícil para James aceitar e obedecer a regra). James pouco a pouco foi se organizando nessas atividades e passou a ficar mais desperto e interativo mais tarde na sala de aula.

5.5. Tecnologia

Existem muitos aplicativos com o título de “Sensorial” nas listas de apps. Muitos deles oferecem um estímulo visual ou auditivo simples e tranquilizador que pode ajudar as crianças a se manterem em um estado calmo e organizado. Time Timer também está disponível em app, assim como alguns produtos similares. Também existem muitos aplicativos que oferecem padrões e opções visuais para preparar planos visuais e historias sociais. Os vídeos GestureTek, com gestos controlados tecnologicamente, reagem a movimentos através de mudanças de modelos de vídeo (geralmente projetados na parede). Eu tenho visto muitas crianças começarem a ficar mais animadas, ágeis (se mexerem mais) e interativas quando experimentam esta tecnologia. Há muitas possibilidades de jogos nesta categoria e websites que trazem listas e categorizam apps uteis para pessoas com deficiência. (* Estes aplicativos estão disponíveis em inglês)

5.6. Snoezelen

Snoezelen é um conceito que foi desenvolvido por terapeutas ocupacionais na Holanda. Trata-se de um ambiente ou contexto sensorial que proporciona às pessoas com diversos tipos de deficiência a oportunidade de divertir-se e controlar toda uma variedade de experiências sensoriais. O Snoezelen é organizado habitualmente como um quarto ou parte de um quarto e geralmente contém diversos efeitos visuais de iluminação (tubos florescentes, fibra ótica, projetor solar), sons suaves, almofadas confortáveis e às vezes inclui movimento (redes), vibração, espelhos e atividades táteis. Algumas das experiências sensoriais resultam calmantes enquanto outras são estimulantes. Só devem ser usadas as que sejam apropriadas às necessidades da pessoa.

Os estudos realizados sobre os efeitos do Snoezelen nas pessoas com condições desafiadoras confirmaram que o método pode exercer um impacto positivo sobre o humor, o comportamento e as relações dessas pessoas. Estas mudanças são perceptíveis progressivamente, conforme a criança ou o adulto passa um tempo de forma regular no quarto Snoezelen e é livre para aproveitar e controlar a experiência sensorial sem nenhuma expectativa especial sobre o modo de atuar e responder de uma forma particular. Os quartos brancos cujas paredes e chão são brancos, podem ser também tranquilizadores e ajudam a compensar algumas das ações mais exigentes que se passam no dia-a-dia de uma pessoa.

Existem agora disponíveis quartos Snoezelen em algumas clínicas, hospitais, escolas, centros de assistência e de apoio a pessoas com deficiência de desenvolvimento ou física.

  1. A síndrome de Down e os transtornos do espectro autista

Nos últimos dez ou quinze anos, o índice de ocorrência de transtorno do espectro autista (TEA) aumentou na população em geral. Ao mesmo tempo tem aumentado também a convicção de que o TEA pode aparecer também nas pessoas com síndrome de Down. Os pesquisadores oferecem diferentes índices na combinação SD-TEA que vão de 3 a 18% e observam também que a presença de TEA na síndrome de Down é mais frequente quanto maior seja seu déficit cognitivo.

O diagnóstico de TEA se baseia em um conjunto de sintomas que pertencem a essas três áreas:

  • Transtornos sociais;
  • Transtornos de comunicação;
  • Comportamentos com estereotipias (movimentos) repetitivas e interesses restritos.

Uma vez que para fazer um diagnóstico de TEA em uma criança com síndrome de Down o diagnóstico de baseia parcialmente nas habilidades sociais e de comunicação, estas áreas do desenvolvimento devem ser significativamente alteradas em relação ao nível cognitivo da criança. Ainda que muitas crianças com síndrome de Down mostrem atraso em suas habilidades de comunicação, no geral elas mostram “a intencionalidade de comunicação”, ou seja, desejam comunicar-se com os demais, ainda que tenham problemas de fala ou linguagem. Enquanto que quando uma criança com síndrome de Down tem TEA, lhe falta frequentemente essa intencionalidade de comunicação.

Outros sinais que podem ser observados, às vezes, em uma criança com SD-TEA são:

  • Pouco ou nenhum contato visual;
  • Comportamentos repetitivos de auto-estimulação (girar, dar voltas, bater-se na cabeça);
  • Busca de estimulação visual fixando-se nas luzes ou ventiladores, olhando os dedos ou balançando objetos de um lado a outro, como se fossem pêndulos;
  • Falta de objetivo em seu jogo com os brinquedos; interesses restritos e repetitivos;
  • Leva os objetos à boca de maneira excessiva;
  • Rigidez nas rotinas;
  • Falta de intenção comunicativa;
  • Limitação em suas preferencias de comida.

Esta não é em absoluto uma lista de diagnósticos, mas somente uma reflexão do que eu e outros profissionais temos observado em crianças com este duplo diagnóstico. Às vezes estes comportamentos aparecem em uma idade precoce, outras aparecem quando a criança vai crescendo e parece perder as habilidades e a comunicação que previamente havia alcançado.

Muitas crianças com TEA têm dificuldades de processamento sensorial. Portanto, é provável que as crianças com síndrome de Down diagnosticadas de TEA tenham também dificuldades de processamento sensorial. As dificuldades de processamento sensorial em crianças com TEA são do tipo de hipo ou hiper-reação (reação baixa ou alta) ao estímulo sensorial. Para trabalhar esses problemas, pode-se experimentar os mesmos tipos de estratégias oferecidas na tabela 3. Os problemas de processamento sensorial no diagnóstico duplo podem requerer também a avaliação e as recomendações de um terapeuta ocupacional.

  1. Abordagens comportamentais

Este capítulo se concentrou nos temas relacionados ao processamento sensorial nas crianças com síndrome de Down e descreveu algumas estratégias sensoriais que podem ser úteis. Certas crianças, porém, mesmo tendo aprendido padrões de comportamento às vezes sentem dificuldade de alterá-los, ainda que o ambiente sensorial se adapte para suprir as necessidades dela. A criança pode estar usando esse comportamento por outras razões, como por exemplo, buscando chamar atenção (seja positiva ou negativa). Nesses casos, ela necessita frequentemente uma intervenção baseada nos reforço positivo dos comportamentos desejados e atividades estruturadas que assegurem seu êxito. Fica fora do objetivo desse capítulo detalhar os tipos de intervenções de comportamento que podem ajudar as crianças que tenham essas necessidades. Os psicólogos, terapeutas comportamentais, profissionais da área de atenção infantil, professores são os profissionais que desenvolvem e executam esses programas, baseados nos princípios do comportamento.

  1. Conclusão

Nossa habilidade para interação de maneira adaptativa com o ambiente depende de vários fatores, da informação sensorial disponível, do processamento e integração da informação sensorial, e em parte pela nossa própria personalidade e bagagem genética. Quando nos enfrentamos com comportamentos enigmáticos de nossos filhos com síndrome de Down devemos descartar em primeiro lugar fatores intrínsecos, tais como condições médicas, fome, sede, cansaço, doenças, dificuldades de comunicação, problemas de visão e audição. Uma vez descartados ou tratados esses problemas, podemos considerar como o ambiente sensorial pode estar contribuindo nas respostas problemáticas da criança e que o poderemos fazer para modificá-lo de modo que a ajudemos a comporta-se de maneira mais adequada.

Se a criança tem uma hiperreação a certos tipos de estímulos sensoriais, como o toque leve e certos ruídos (esses são os mais frequentes), trate de mudar o ambiente para reduzir esse tipo de estímulo e dar a ela estímulos de pressão profunda (propriocepção) ao longo do dia. Se a criança tem uma hipo-reação a certos tipos de estímulo sensoriais, trate de enriquecer seu entorno, com diversos tipos de estímulos sensoriais que você veja que a ajuda a estar mais desperta e consciente (estímulos visuais, toques, movimento são os mais frequentes).

Se a criança busca estímulos sensoriais superiores ao comum para sua idade de desenvolvimento, dê a ela oportunidade, de forma regular, de receber informação sensorial através de diferentes canais sensoriais (plano ou dieta sensorial) que lhe proporcionará o que seu sistema nervoso demanda sem necessidade de hiper estimulá-la.

Se a criança parece não apresentar problemas de reação excessiva ou tímida a estímulos, mas mostrar dificuldades na organização do movimento e aprendizagem de novas habilidades motoras, proporcione a ela um entorno rico em experiências táteis e em atividades que o ajudem a ser consciente de seu corpo. Você pode fazer uso também de um feed-back verbal e visual para ajudá-la.

Como pais, tomem nota dos lugares que ajudam a criança a ser mais interativa, tranquila, atenta e feliz. Anote, também, os ambientes que lhe fazem estar mais ansiosa e desorganizada ou com comportamentos inapropriados. Às vezes você verá que o modo como a criança processa a informação sensorial segue um padrão, que indica suas necessidades sensoriais ou as que deve evitar. Em alguns casos vocês mesmos poderão identificar esses lugares e encontrar soluções que melhorem a situação da criança. Outras vezes necessitarão da assistência de um terapeuta ocupacional ou de fisioterapeuta formados em integração sensorial/processamento sensorial. Lembrem: se não existe um modelo que se ajuste a uma perspectiva sensorial, seu filho pode estar respondendo a outras necessidades, como a procura por atenção, a necessidade de comunicar-se, etc. Consultem fonoaudiólogos, psicólogos, terapeutas comportamentais, professores e outros profissionais da medicina e da educação que os ajudarão a enfrentar os comportamentos problemáticos da criança.

 

Nota: O presente artigo completo (partes I,II,III) reproduz em português ao capítulo “Sensory processing” do livro de Maryanne Bruni titulado Fine Motor Skills for Children with Down Syndrome. A Guide p soluciona-los for Parents and Professionals, 3ª edicion. Woodbine House, Bethesda MD, 2016.

Parte 1: http://www.movimentodown.org.br/2016/12/o-processamento-sensorial-nas-criancas-com-sindrome-de-down-parte-1/

Parte 2: http://www.movimentodown.org.br/2016/12/o-processamento-sensorial-em-criancas-com-sindrome-de-down-parte-ii/

Fonte: http://www.down21.org/revista-virtual/1727-revista-virtual-2017/revista-virtual-sindrome-de-down-enero-2017/3017-articulo-profesional-enero-2017.html