Rita Vieira de Figueiredo (rvieira@ufc.br)
Profa. (PhD). Faculdade de Educação – Universidade Federal do Ceará
Adriana L. Limaverde Gomes (adrianalimaverde@terra.com.br)
Profa. (Ms) Faculdade 7 de Setembro.Doutoranda em Educação – Universidade Federal do Ceará
Resumo
O presente trabalho analisa o processo de aquisição da linguagem escrita em alunos com deficiência mental. As reflexões e os dados aqui apresentados resultam de diversas pesquisas realizadas pelas autoras e de situações de intervenções escolares envolvendo alunos com deficiência mental. As referidas
pesquisas foram desenvolvidas com alunos de diferentes idades, escolaridade e meio sócio-econômico. Os dados revelaram que na tentativa de compreender a escrita, estes alunos percorrem processos semelhantes àqueles identificados em alunos sem deficiência.
Palavras-chave: deficiência mental, linguagem escrita, aprendizagem escolar.
Apesar de alguns professores do ensino regular afirmarem que não estão preparados para receber alunos com deficiência mental em suas salas de aula, pesquisas recentes (MOURA, 1992; MARTINS, 1996; ALVES, 1997; FIGUEIREDO BONETI,1995, 1996, 1999a, 1999b; GOMES, 2001) vêm indicando que esses alunos vivenciam processos cognitivos semelhantes aos das crianças ditas normais, no que se refere ao aprendizado da leitura e da escrita.
Embora o ritmo de aprendizagem dos alunos com deficiência se diferencie por requerer um período mais longo para a aquisição da língua escrita, as
estratégias de ensino para esses alunos podem ser as mesmas utilizadas com os alunos ditos normais. No decorrer do processo de construção da escrita, as crianças descobrem as propriedades do sistema alfabético e, a partir da compreensão de como funciona o código lingüístico, elas aprendem a ler e escrever. As crianças com deficiência mental passam por etapas semelhantes àquelas descritas por Ferreiro e Teberosky(1986). Portanto, alunos com deficiência mental apresentam hipóteses pré-silábica, silábica, silábica-alfabética e alfabética. Para avaliar a evolução escrita de alunos com deficiência mental, o professor pode utilizar as mais variadas proposições tais como: escrita livre de palavras e frases, reescrita de atividades vivenciais, reescrita de histórias lidas, produção com base em imagens e escrita de bilhetes, dentre muitas outras. Os registros das crianças expressam o nível de evolução em que elas se encontram, desde a escrita sem valor representativo até a escrita alfabética. A escrita sem valor representativo As produções que caracterizam esta etapa indicam que o aluno não percebe ainda a escrita como uma forma de representação. Os registros das crianças se caracterizavam por formas circulares sem a utilização de sinais gráficos convencionais e sem intenção de representação.
Os alunos que se encontram nesse nível de representação não conseguem interpretar as suas produções, mesmo quando estão em um contexto preciso. A dificuldade de atribuir significado à escrita pode se manifestar em diferentes atividades nas quais as crianças são solicitadas a interagir com o
universo gráfico. Em algumas situações as crianças não se implicam com a tarefa e dão respostas aleatórias sugerindo não estar interessadas pela atividade ou simplesmente não compreender a solicitação do professor.
Outro aspecto importante a ser considerado pelo professor são as dificuldades psicomotoras apresentadas por algumas crianças, evidenciadas especialmente na motricidade fi na, o que torna para elas quase impossível desenhar ou realizar o traçado das letras. As atividades que envolvem modelagem e recorte e colagem são igualmente penosas para esses alunos que normalmente se distanciam desse tipo de tarefa, manifestando inclusive rejeição pela leitura e a escrita. O uso de letras móveis, fichas com palavras e frases escritas, jogos pedagógicos e livros de literatura infantil, são instrumentos que podem auxiliar o professor no seu trabalho com esses alunos. Para superar as dificuldades de organização espacial e na coordenação motora fina, o professor pode fazer uso de recursos variados que permitam em alguns momentos a criança exercitar livremente sua expressão gráfica,
como o uso do desenho livre, e em outros escrever em espaços delimitados.
Em nossos estudos os alunos que apresentam esse tipo de respostas são justamente aqueles cujo comportamento se caracteriza por constantes dispersões, agitação e desinteresse por atividades que implicam em simbolismo tais como desenho, pintura e modelagem. Entretanto, a análise do desempenho desses alunos deve contemplar não somente os avanços na escrita, mas também os ganhos na aquisição de atitudes tais como: cooperação, participação e interação no grupo, interesse por atividades relacionadas a leitura e a escrita tais como: leitura e contação de estórias, registros orais e escritos, desenho, modelagem e escrita do nome próprio. À medida que monstra ter adquirido a compreensão de que a escrita constitui um meio de representação da fala e de registro de eventos, embora ainda não compreenda o funcionamento deste sistema de representação – em nosso caso, a escrita alfabética. O inicio da representação da escrita com base silábica pode ser identificado nos registros dos alunos, quando eles começam a utilizar as letras do próprio nome nas suas produções. A escrita de Eduardo (um aluno com deficiência mental ) ilustra esse tipo de comportamento. Ele escreveu as palavras cachorro (CUURDO); vaca (AUARDO); e borboleta (AVDURDO) e em seguida leu fazendo a correspondência de uma sílaba para cada letra escrita apontando a seqüência RDO como sendo um final mudo. Seu comportamento evidencia a escrita silábica, com a utilização do RDO como elemento curinga da escrita.
Esse elemento curinga é geralmente utilizado quando a criança entra no conflito entre a hipótese silábica e o critério de quantidade mínima de caracteres. Para resolver esse conflito, a criança introduz uma ou mais letras. No caso da palavra VACA, Eduardo utiliza dois elementos curingas: a letra A e a terminação RDO, compondo: AUARDO. Na medida em que a criança avança conceitualmente o elemento curinga desaparece dos seus registros.
Os alunos com deficiência mental são capazes de produzirem textos próprios do nível alfabético, apesar de seus registros evidenciarem fragilidades em selecionar, controlar e organizar com coerência suas idéias. Nessas produções a qualidade dos textos está relacionada com o gênero textual. Na reescrita de textos narrativos muitos alunos expressam dificuldades na recomposição do sentido global dos eventos narrativos, enquanto que nas produções de textos com uso de imagens e na escrita de bilhetes, eles demonstram maior facilidade na escrita. Provavelmente as dificuldades se acentuam na reescrita de textos narrativos porque esses textos apresentam um grau elevado de complexidade e consequentemente. A produção acima sugere que a aluna ainda está aprendendo a organizar a estrutura de um bilhete. Ela inicialmente indica o destinatário (Bia) em seguida escreve o próprio nome (Alice) e posteriormente retoma a utilização do destinatário de forma adequada.
Considerações Finais
Para que os alunos estruturem de forma adequada suas produções textuais e possam se apropriar das características específicas dos diferentes
gêneros textuais se faz necessário vivenciar experiências escolares e sociais que possibilitem o acesso a diferentes tipos de textos, logo o professor deve
proporcionar o trabalho com variados gêneros. A mediação do adulto e a interação que os alunos com deficiência mental estabelecem com o universo da
escrita, influenciam significativamente na evolução conceitual dos mesmos na língua escrita. Normalmente, os alunos que interagem positivamente com seus professores, com seus pares, e também com o objeto de conhecimento, apresentam melhores resultados se comparados àqueles que tem dificuldades nas suas formas de interação.
Referências
ALVES, José Moysés. Estudo sobre a relação entre a extensão falada/escrita de palavras, por crianças portadoras de síndrome de Down. São
Carlos, 1987. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal de São Carlos.
FERREIRO & TEBEROSKY. A psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas: 1986.
FIGUEIREDO BONETI, Rita Vieira de. L’émergence du language e’crit thez les enfants présentant une défi cience intellectuelle. Université Laval.
Québec, 1995.
___________. Le dévelotement du language e’crit thez les enfants pré-sentant une défi cience intelectuelle: L’interprétation du prenomé. Archieves Psychologie. Genebre, 1996, n° 64, p. 139-158.
___________. A interpretação da escrita pela criança portadora de defi ciência intelectual . Revista Brasileira de Educação Especial – V.3 nº 5 – 1999a. Universidade Metodista de Piracicaba.
___________. A Representação da escrita pela Criança portadora de deficiência intelectual. Educação em Debate – V. 1. n° 37 – 1999b. Fortaleza, Edições da Universidade Federal do Ceará.
GOMES, A L. L.V. Leitores com síndrome de Down: a voz que vem do coração. Dissertação de Mestrado . Universidade Federal do Ceará, 2001.
MARTINS, Nadia Cesar da Silveira. Crianças com síndrome de Down: relações entre fala, gestos e produção gráfica. São Carlos, 1996. Dissertação
( Mestrado em Educação). Universidade Federal de São Carlos.
MOURA, Vera. O Poder do saber: relato e construção de uma experiência em alfabetização. Porto Alegre: Kuarup, 1992.
Fonte: Inclusão: Revista da Educação Especial – Secretaria de Educação Especial/MEC